Título: Gaza, em chamas, ameaça o Líbano
Autor: Simon Tisdall
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/11/2006, Internacional, p. A23

Os líderes israelenses devem estar aflitos com a possibilidade de que a mais recente atrocidade de seu Exército em Beit Hanun - o ataque que matou 19 civis palestinos, entre eles sete mulheres e oito crianças, na quarta-feira - desencadeie uma escalada da crise regional. Foi o que aconteceu no primeiro semestre, quando os choques em Gaza abriram caminho para uma guerra total contra o Hezbollah no Líbano. Poucas vezes a situação nas áreas palestinas e em todo o Oriente Médio pareceu tão tensa, tão intrincada, tão explosiva.

Agora, os radicais do Hamas estão conclamando seus combatentes a se unirem à Jihad Islâmica para intensificar os ataques a alvos israelenses, o que faz ressurgir o espectro da retomada dos atentados suicidas. As divisões internas quanto à resposta a ser dada aos acontecimentos de Beit Hanun também solaparam os esforços do Fatah e de elementos moderados do Hamas para criar um governo de unidade nacional com o qual Israel poderia negociar.

O presidente palestino, Mahmud Abbas, trava hoje uma batalha perdida.

Ele advertiu Israel depois de Beit Hanun: 'Vocês estão destruindo todas as chances de paz... Vocês terão de arcar com as conseqüências desses crimes.' Abbas sabe que, se persistirem o ostracismo que o Ocidente impôs ao Hamas e a ausência de um processo de paz, mesmo que aparente, os acontecimentos sairão totalmente do seu controle.

Como ocorreu em julho, o Hezbollah foi rápido para explorar a violência em Gaza. Seu líder, Sayyed Hassan Nasrallah, zombou da impotência dos governantes árabes. 'Onde está o grito de raiva diante dos carniceiros?' perguntou. 'O mundo se calou.'

Isso não é exato. Choveram condenações internacionais sobre Israel. Mas o Hezbollah gosta de aparecer como o paladino exclusivo da justiça. E o crescimento da tensão serve a outros propósitos de Nasrallah.

Ele ameaça derrubar o governo libanês pró-Ocidente, a menos que seu partido e seus aliados recebam uma fatia maior de poder. E outra disputa está se armando em torno dos planos da ONU de estabelecer um tribunal para julgar suspeitos do assassinato do ex-premiê libanês Rafic Hariri, em 2005, no qual altas autoridades sírias provavelmente seriam indiciadas no próximo mês.

A despeito da tentativa potencialmente conflitante do premiê britânico, Tony Blair, de dialogar com a Síria, tudo isso levou os EUA a advertirem, na semana passada, que Hezbollah, Síria e Irã estavam conspirando para dar um golpe de Estado no Líbano.

Damasco refutou a acusação, como sempre, acusando a existência de um conluio americano-sionista. 'Tal difamação pretende simplesmente tumultuar o Líbano e causar um conflito com a Síria, que pagou com sangue para manter a independência e soberania libanesas', publicou o jornal sírio Baath, controlado pelo governo.

Já o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, sentiu-se encorajado pela atmosfera de confronto a propagar suas opiniões extravagantes e explosivas. 'O regime sionista foi estabelecido para engolir toda a região e colocá-la à disposição das forças mundiais', declarou à TV iraniana, no mês passado. 'É uma grande mentira que ele foi criado para proteger os mortos na 2ª Guerra Mundial e para compensá-los.'

Em meio a tanta irracionalidade, ódio, instabilidade e desconfiança, crescem os temores de que o Líbano se incendeie novamente. Um recente relatório do International Crisis Group observa que, embora a resolução de cessar-fogo da ONU, em agosto, 'tenha sustado a luta entre Israel e o Hezbollah, pouco fez para resolver o conflito subjacente - e, se for mal conduzida, poderá ajudar a reacendê-la... A tentação de cada parte de transpor limites poderá provocar um reinício dos combates.'

Mas, como ocorre há muito tempo, só os EUA têm poder e influência suficientes para conter Israel, trazer os palestinos para a mesa de negociações, desarmar a crise no Líbano e neutralizar Síria e Irã. O problema é que, justo quando a região parece caminhar para problemas cada vez mais graves, Washington se concentra cada vez mais em como sair do Iraque.

Quando o primeiro-ministro israelense, Ehud Olmert, se encontrar com George Bush na Casa Branca, amanhã, o episódio de Beit Hanun ou mesmo o processo de paz no Oriente Médio podem não ser os destaques de suas conversações. Os dois estão mais interessados em discutir como travar uma guerra fracassada e sobreviver.