Título: Falta de cadastro integrado põe em xeque evolução do Bolsa-Família
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2006, Nacional, p. A4

Principal programa social do primeiro governo Lula, o Bolsa- Família está numa encruzilhada. Atingiu sua meta em termos de quantidade de atendidos - chegou a 11,1 milhões de famílias na metade deste ano - e agora tem de enfrentar o desafio de dar saltos de qualidade. Precisa se associar a programas que gerem trabalho e renda, para que supere seu caráter assistencialista, tem de compartilhar seu cadastro com o de outros ministérios e ainda deve deixar de ser uma política de governo, sujeita à exploração eleitoral e dependente da vontade do governante do dia, para se transformar em política de Estado.

¿O desafio maior vem agora¿, acredita o economista Márcio Pochmann, professor da Unicamp e ex-secretário da prefeita petista Marta Suplicy. ¿Cadastrar e começar a distribuir renda era a parte mais fácil.¿ Para o teólogo e educador social Ivo Poletto, o governo Lula não vai encontrar as repostas às questões atuais, a menos que ouça as famílias assistidas. ¿Elas devem ter oportunidade de interferir no controle do programa¿, acredita Poletto, que deixou o governo Lula em 2004 por discordar dos rumos dados às políticas sociais.

No primeiro mandato, a gestão petista se concentrou em unificar os programas herdados do governo Fernando Henrique Cardoso e ampliar o número de atendidos. No segundo mandato, a intenção é transformar o Bolsa-Família no ponto de partida de todos os programas sociais para que esses funcionem como portas de saída. Mas a falta de integração nos cadastros do governo põe em xeque essa proposta.

¿A ordem é integrar. Queremos que o Bolsa-Família passe a ser a base para a ação social de todo o governo¿, explica o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. Hoje, o Cadastro Único, que serve de base para o programa, não é usado para nenhuma das demais iniciativas sociais federais, como microcrédito, Luz para Todos e habitação popular, embora seja o mais completo e atualizado levantamento sobre as famílias pobres do País, segundo o governo. ¿Se o Bolsa Família é hoje o mais focalizado programa social, como já se avaliou, o mais correto é que os demais programas cheguem às mesmas famílias¿, admite Rosani Cunha, secretária de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social. O mapeamento dos programas já começou e o que se descobriu até agora é que vários podem servir de complemento ao Bolsa-Família.

Um exemplo de desentrosamento é o microcrédito, empréstimos de pequeno valor com juros baixos, reconhecido mundialmente como forma recomendável de geração de trabalho e renda. Hoje, beneficiados pelo Bolsa-Família não têm acesso a essa forma de crédito, porque tem custo ainda relativamente alto e exige conta bancária. O governo cogita criar um fundo avalista que possa servir de garantia aos empréstimos e reduzir os custos. E os beneficiários poderiam receber o pagamento através de uma conta simplificada. Há dificuldades também em integrar os programas de alfabetização do Ministério da Educação ao Bolsa-Família, apesar desse ser um dos cruzamentos mais adiantados. ¿O MEC repassou aos municípios as listas de famílias com escolaridade baixa para que tenham prioridade de atendimento, mas descobrimos que os cadastros dos municípios são muito diferentes¿, relata Rosani. O governo tentou, mas não conseguiu unificar os cadastros dos vários ministérios. A idéia era usar o Número de Identidade Social (NIS), mas hoje ele só é usado pelo Bolsa-Família, pelo Sistema Único de Saúde e pelo cadastro das crianças que freqüentam escolas públicas do MEC. Nos demais casos, isso ainda é uma promessa não cumprida, como se nota pelo financiamento para plantação de oleaginosas para o programa Biodiesel. O governo dará prioridade a pequenos agricultores familiares. No cadastro feito pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, a administração encontrou apenas 15% de coincidências entre os agricultores cadastrados e atendidos pelo Bolsa-Família. ¿Pode haver mais. Mas os dados do cadastro são muito diferentes¿, explica Rosani Cunha. COLABOROU ROLDÃO ARRUDA