Título: Delfim, como nos anos 70, vira conselheiro do presidente
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2006, Nacional, p. A10

Um dos pais do ¿déficit nominal zero¿, projeto voltado para o desenvolvimento econômico tão sonhado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Delfim Netto é visto em Brasília como possível candidato a uma vaga no novo ministério. ¿Lula quer lhe dar um posto, nem que seja de ministro da Agricultura¿, afirma um dos articuladores do governo, referindo-se a um ministério que Delfim ocupou no início do governo João Figueiredo, que mais tarde lhe entregou o comando da economia. ¿A idéia é que o PT pode resistir no início, em função do passado, mas depois aceitará.¿

Aos 79 anos, Delfim é um conselheiro influente no Planalto. É ouvido em temas específicos, como alíquotas de imposto ou complicações numa medida provisória. Também é convidado para comparecer ao gabinete presidencial para falar sobre o futuro. Delfim entra e sai do Planalto pela garagem subterrânea, reservada às autoridades da casa. Derrotado na campanha para deputado, virou convidado de Lula nos palanques do segundo turno. Lula disse que o ¿preconceito da elite¿ levou Delfim à derrota. Um assessor acredita que, ao trocar o PP, herdeiro da Arena do regime militar, pelo PMDB de Orestes Quércia, Delfim fez um movimento que o eleitor não entendeu e por isso foi abandonado. O próprio Delfim, que detesta falar do assunto, diz que derrota ¿é como desastre de avião: deve-se a um conjunto de fatores¿.

Delfim assegura que não tem interesse num emprego de ministro, de onde saiu execrado no fim do regime militar, ainda que seu nome esteja associado ao milagre econômico, quando o País crescia 10% ao ano. Mesmo recordando que ¿foi nesse tempo que o metalúrgico Lula pôde comprar um Volks¿, Delfim diz: ¿Meu tempo já passou.¿

Um ministro considera que, em função da idade, falta a Delfim disposição para cumprir funções de ¿carregador de ministério¿: fazer reuniões, viajar o tempo inteiro, cobrar resultados, fazer planos e ouvir cobranças do presidente, numa rotina pesada e cansativa. Mas um bom amigo de Delfim avisa: ¿A vaidade é um bicho perigoso, que cresce com o tempo. Quem sabe como vai reagir caso Lula faça um convite para valer?¿

PRESTÍGIO

O prestígio de Delfim serve para confirmar as voltas infinitas do mundo político. Conhecido por ¿defender Lula pelas costas¿, qualidade muito apreciada no Planalto, a origem histórica de Delfim e Lula tem um registro ilustre num cartum de Chico Caruso, de 1983, exposto até hoje no gabinete do professor em seu escritório político, no Pacaembu. Para ilustrar uma derrota sindical diante do czar da economia, Caruso fez um desenho onde Delfim aparece vitorioso como um domador de circo, com os pés sobre as costas de Lula - de imensa juba, como um leão domesticado.

Duas décadas depois, a situação de certo modo se inverteu. Na campanha de 2002, Delfim tornou-se um interlocutor freqüente de Antonio Palocci, o futuro ministro da Fazenda que cuidava do programa de governo. Foi ao Sofitel, a sede da campanha, onde sugeriu a Lula declarações para acalmar o mercado. Mais tarde, explicava a política econômica aos empresários. No Congresso, ajudou a aprovar a medida provisória do crédito consignado.

Num governo que experimentava os primeiros sabores de chegar ao Planalto, Delfim sempre foi uma voz valiosa. Pelo conhecimento da máquina, podia orientar o governo em relação a cada decisão. Ainda deu a Lula um alimento político essencial - argumentos duros e recheados de números para uma crítica aos oito anos de governo tucano. Qualquer pessoa que tenha prestado atenção às afirmações de Lula nos debates do segundo turno é capaz de reconhecer, em muitas passagens, as críticas de Delfim à gestão Fernando Henrique Cardoso.

Mesmo sem integrar a equipe de Palocci, Delfim era ouvido. Certa vez, esgotado em discussões com governadores sobre o ICMS, Palocci desabafou: ¿Esse país não tem jeito. Como é possível que o imposto sobre valor agregado seja cobrado pelos Estados? Isso ninguém consegue consertar.¿ Delfim reagiu: ¿Concordo. Fui eu que fiz.¿

AJUSTE FISCAL

Em 2005, Palocci e Delfim construíram a idéia de aprovar no Congresso uma legislação sobre ajuste fiscal de longo prazo, nome de batismo do plano de déficit nominal zero, que consiste em fixar metas anuais de cortes de gastos públicos, para liberar recursos para investimentos.

Mantido no arquivo das boas intenções pré-mensalão, o déficit nominal zero foi discutido mais de uma vez no Planalto, com Lula, o próprio Delfim e os ministros Palocci e Guido Mantega. Após muitos debates, Lula deu um tapa na mesa: ¿Estou de acordo.¿ Mais tarde, houve reuniões ampliadas. Mas, aos poucos, as labaredas da crise incendiaram o projeto. Aproveitando o desgaste de Palocci em função das denúncias de Ribeirão Preto, a ministra Dilma Rousseff aproveitou para alvejar o déficit zero numa entrevista ao Estado. Agora, no horizonte de um segundo mandato, a idéia tem cada vez mais adeptos no governo - o que só aumenta o prestígio de Delfim em Brasília.