Título: PF mira Berzoini, mas não admite
Autor: Fausto Macedo, Sonia Filgueiras
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2006, Nacional, p. A11

A Polícia Federal identificou chamadas telefônicas de petistas acusados de envolvimento na trama do dossiê Vedoin para números de uso de Ricardo Berzoini, ex-coordenador da campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A PF espreita Berzoini, mas por dois motivos não admite isso publicamente. Se o fizer perderá para o Supremo Tribunal Federal (STF) a condução do inquérito sobre o dossiê de R$ 1,75 milhão contra tucanos - Berzoini é deputado federal (PT-SP). E a PF também não tem nenhuma autonomia para vasculhar a vida de um aliado tão próximo de Lula.

Os federais rastreiam quatro números de Berzoini, dois fixos e dois celulares. Eles identificaram casualmente telefones do presidente afastado do PT a partir do mapeamento das linhas usadas pelos envolvidos.

Um federal confirmou que foram encontradas ligações de Hamilton Lacerda, ex-coordenador da campanha do senador Aloizio Mercadante (PT) ao governo paulista, para Berzoini. ¿Não sabíamos que o número contatado era do Berzoini¿, anotou o policial.

Oficialmente, a PF sustenta que foi o próprio Berzoini quem forneceu seus números para confronto com as linhas dos envolvidos.

A PF alega que não investiga Berzoini, até divulgou nota com essa versão, mas curiosamente não hesitou em inserir os números dele no Projeto X - o supercruzamento telefônico que alcança mais de mil linhas.

O maior rastreamento que a PF já produziu foi autorizado pela Justiça Federal em Mato Grosso. O juiz Jeferson Schneider, da 2ª Vara Federal de Cuiabá, acolheu pedido da PF e permitiu a identificação dos cadastros das operadoras de telefonia com a lista de nomes dos usuários e proprietários das linhas sob investigação.

Tal procedimento já caracteriza quebra de sigilo, porque depende de ordem judicial.

A PF também pediu formalmente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que localize eventuais movimentações atípicas no sistema financeiro em nome de Berzoini.

Por meio do ofício 7.400, de 27 de setembro, o presidente do Coaf, Antonio Gustavo Rodrigues, comunicou ao delegado federal Luiz Flávio Zampronha de Oliveira, da Divisão de Combate ao Crime Organizado da PF, que ¿vem sistematicamente realizando pesquisas em seus bancos de dados¿.

O presidente do Coaf faz menção a uma reunião com Zampronha, ocorrida dia 26. A consulta, anotou o Coaf, é relativa a 24 pessoas físicas e jurídicas. O primeiro nome da lista é Ricardo José Ribeiro Berzoini. As linhas telefônicas dele estão sendo cruzadas com os números dos integrantes da organização que pretendia jogar na praça um dossiê com denúncias sem provas contra tucanos.

São pelo menos quatro investigados: Hamilton Lacerda; Jorge Lorenzetti, araponga do PT e churrasqueiro predileto de Lula; Expedito Veloso, ex-diretor de análise de risco do Banco do Brasil; e Osvaldo Bargas, ex-diretor do Ministério do Trabalho. Na quarta-feira, a PF informou que identificou contatos de acusados e Berzoini.

Não revelou quantas vezes eles se falaram, mas confirmou que Lacerda teria sido um dos interlocutores do deputado. Lacerda ¿era homem de confiança¿ de campanha de Mercadante, destaca o delegado Diógenes Curado em relatório parcial sobre o dossiê enviado à Justiça.

A câmara de circuito fechado do Hotel Ibis Congonhas, onde foi apreendida a bolada de R$ 1,75 milhão, mostra Lacerda tomando o elevador com uma mala. A PF está convencida de que ele levou o dinheiro para Gedimar Passos e Valdebran Padilha, negociadores do dossiê.

Ele nega. Segundo Lacerda, na mala havia boletos de contribuição da campanha de Lula.

Embora alegue que Berzoini não é investigado, a PF o chamou para depor no inquérito do dossiê, a 17 de outubro. Um policial anotou que o deputado foi ouvido ¿porque ele presidia o PT e não há como fugir ao fato de que o caso do dossiê foi preparado por gente de grande importância dentro do partido, gente muito próxima dele¿.

¿Berzoini sabe tudo sobre a origem desse dinheiro do dossiê¿, acusa o deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), sub-relator de sistematização da CPI dos Sanguessugas.

DEFESA

Fernando Tibúrcio Peña, advogado de Berzoini, afirmou que não considera o deputado alvo da investigação da PF. Segundo ele, Berzoini foi ouvido ¿na condição de testemunha¿. ¿Não há nada que comprometa o deputado no episódio.¿

Peña informou que não há motivo para pedir que o inquérito do dossiê seja avocado pelo STF. ¿A PF está executando um trabalho criterioso e imparcial, seguindo o seu modelo de polícia republicana.¿

Segundo ele, o deputado forneceu os números de suas linhas telefônicas para a PF ¿por uma questão de liberalidade, para dar maior transparência e contribuir com a investigação¿.

O advogado disse que desconhece as ligações para Berzoini. ¿Não tenho como confirmar esse dado.¿

Sobre a ação do Coaf, que inclui Berzoini na lista dos rastreados, Peña declarou: ¿Desconheço esse documento.¿ ¿Não há qualquer evidência de que a polícia tenha sugerido ao Coaf o nome de Berzoini¿, insistiu. Para Peña, a lista do Coaf contém apenas nomes de pessoas citadas no noticiário da imprensa.