Título: Duas ou três coisas que eu sei dela
Autor: Michael Tomasky
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2006, Internacional, p. A24

Eis um truísmo fundamental da política americana: assim que os bem-informados de Washington concordam em concordar com alguma coisa, ela se torna verdade, mesmo que não seja. Chama-se senso comum. Sempre é comum, mas raramente é sensato. No que diz respeito a Hillary Clinton, o atual senso comum repousa sobre três afirmações:

1) Ela com certeza concorrerá à presidência em 2008.

2) A candidatura democrata está à sua disposição.

3) Ela será uma candidata terrível e perderá de lavada.

Bem, pelo menos é bom saber que podemos contar com algumas coisas na vida, pois nesses três pontos específicos o senso comum está completamente equivocado, como sempre.

Em 2000, cobri a campanha de Hillary para o Senado por Nova York. Vi-a falar diante de audiências enormes, reverentes, e de audiências pequenas e céticas. Vi-a discorrer sobre as minas terrestres na sede imponente do Conselho de Relações Exteriores em Manhattan e discutir subsídios ao leite (um velho costume americano, um consolo para os pequenos produtores de laticínios) num antigo e desolado quartel numa cidadezinha do interior.

Vi, bem de perto, como ela e sua equipe - que será a mesma em 2008, se ela se candidatar; ela inspira lealdade intensa em seu pessoal - pensam e fazem campanha. Muitos da Equipe Hillary estão novamente em ação, enquanto ela caminha para a reeleição no Senado - sua popularidade em Nova York é tal que os republicanos do Estado não conseguiram convencer ninguém de estatura a enfrentá-la - e começa a consolidar sua base nacional.

E é por isso que tenho tanta certeza de que as três afirmações estão erradas.

Primeiro, sua candidatura à presidência não é de modo nenhum uma certeza. A suposição é que ela não tem controle sobre sua ardente ¿ambição¿. Normalmente, é bom para um político ter ambição, mas, no caso de Hillary, as pessoas usam o termo pejorativamente, referindo-se a seus atributos de Lady Macbeth.

Bem, Hillary gostaria de ser presidente. Não tenho dúvida disso - um perfil publicado recentemente na revista The Atlantic Monthly afirma que ela, ou pelo menos seu pesquisador, considerou a possibilidade em 2004. Mas ela é também uma pessoa cautelosa (freqüentemente cautelosa demais), que nunca faz julgamentos precipitados. Não concorreria se não acreditasse na chance de vencer. A experiência em Nova York é diretamente relevante - ela estudou a paisagem política do Estado durante meses antes de decidir se candidatar. E certamente estudará o desfecho das eleições de terça-feira.

Assim, é totalmente plausível ela pesquisar o cenário presidencial em 2007 e decidir que é melhor ter uma longa e produtiva carreira no Senado. Seu nome já é considerado para a liderança democrata no Senado algum dia. Se o destino entregar o controle do Senado aos democratas nestas eleições, Hillary poderá concluir que permanecer ali, com o poder adicional de ser o partido majoritário, é mais atraente que uma fatigante corrida presidencial.

Em segundo lugar, ela não tem a garantia da nomeação. Muitos liberais comuns - o tipo de gente que vota nas primárias democratas - a vêem com apreensão. Não acreditam que ela pode vencer e/ou não querem que a política volte a ser uma novela estrelada pelos Clintons. Ouço isso dos liberais aonde quer que eu vá e acabo acreditando no óbvio: é bem possível que ela não conquiste o voto dessas pessoas.

Hillary também carece da empatia profunda do marido, de sua capacidade de ligar-se aos eleitores de vários tipos diferentes num nível emocional. Relaciona-se com eles mais pelo intelecto que pela paixão. Isso pode funcionar numa disputa pelo Senado, mas, numa corrida presidencial, os eleitores americanos parecem desejar uma espécie de faísca emocional que não lhe é natural.

Além disso tudo, quem pensa que Hillary é a favorita para ser nomeada candidata não viu o novo calendário das primárias democratas. Parece elaborado pela campanha de John Edwards. Em três dos quatro primeiros Estados que votarão no início de 2008, Edwards é o provável favorito. Três rápidas vitórias podem, em essência, garantir a nomeação.

E não desconsiderem o senador Barack Obama. A simples idéia de que este democrata de Illinois poderia considerar a candidatura inspirou ao mesmo tempo um clima de especulação frenética e uma orgulhosa sensação de desejo realizado - de ambos os partidos políticos.

Quanto à terceira afirmação, digamos que Hillary concorra, acalme os temores dos liberais e derrote Edwards em um ou dois daqueles Estados, tornando-se a candidata democrata. Realmente é certo que ela sofrerá uma derrota de proporções gigantescas, como sugere o senso comum? Pelo contrário. Ela poderia vencer. De novo, o que vi em Nova York é relevante. Em campanha, ela é dura, esperta e agressiva.

Um motivo de lamento dos democratas nas eleições de 2004 foi o modo como John Kerry deixou de responder durante duas semanas enquanto os chamados Veteranos de Lanchas Rápidas pela Verdade atacavam seu histórico na Guerra do Vietnã. Posso garantir: Hillary e seu pessoal responderiam a tais ataques imediata e efetivamente, como fizeram no fim da campanha de 2000, quando o Partido Republicano de Nova York começou a telefonar para eleitores dizendo-lhes que ela simpatizava com terroristas.

Mas a característica que definiu sua ascendência política em Nova York foi a intensa disciplina. Ela nunca saiu do roteiro. Não foi sensacional, mas funcionou, e é possível que combine com o clima do país na ocasião.

Finalmente, eis outro ponto a ser considerado se Hillary Clinton concorrer: os conservadores, inevitavelmente, irão longe demais. Dirão que ela odeia os Estados Unidos. Falarão de suas tendências contra a família (afinal, ¿é tarefa de uma aldeia¿, como ela disse em seu livro). Em resumo, eles farão muitos eleitores que não simpatizaram com Hillary à primeira vista sentirem pena dela.

Podem contar com isso. Não sou muito bom em previsões políticas, portanto não farei nenhuma, sobre Hillary ou qualquer outra pessoa. Mas posso lhes afirmar com confiança: estudem o que os bem-informados de Washington dizem e então concluam o contrário. Será impossível errar.