Título: Crescimento de 5% vira obsessão no governo, mas exige mais rigor fiscal
Autor: Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2006, Economia, p. B1

A obsessão por um crescimento em torno de 5% ao ano como agenda de entendimento nacional, reafirmado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por integrantes do governo nos dias que se seguiram à vitória de Lula no segundo turno das eleições, tem levado os economistas a discutir qual a receita para o País andar mais rápido do que nos últimos anos. A maioria considera que o anúncio de um programa econômico consistente, que ponha um freio na expansão acelerada dos gastos correntes, é condição indispensável para que os juros caiam mais rapidamente e o País possa crescer a taxas maiores.

¿A parte fiscal é que vai dar a crença aos empresários de que as coisas vão acontecer¿, sintetizou o deputado e ex-ministro Delfim Netto, um dos principais interlocutores do presidente Lula, em matéria econômica. Para garantir um crescimento de 5% ao ano não basta, no entanto, reduzir os juros, alerta o economista José Roberto Mendonça de Barros, que assessorou o candidato do PSDB à Presidência, Geraldo Alckmin. ¿Dizer que o País crescerá de forma acelerada apenas com a redução dos juros é simplificar o problema. Se o nível dos investimentos não aumentar, o crescimento continuará baixo.¿ Ele lembrou que os investimentos têm se mantido em torno de 20% do Produto Interno Bruto (PIB), o que, na sua opinião, não é suficiente para garantir um crescimento forte.

Existe uma corrente de economistas que considera a política monetária restritiva executada pelo Banco Central, de juros altos e compulsório bancário elevado, como o principal obstáculo ao crescimento econômico acelerado. Essa corrente, rotulada como ¿desenvolvimentista¿, defende uma rápida queda dos juros como forma de abrir espaço no Orçamento federal para a redução da carga tributária, o aumento dos investimentos em infra-estrutura e a ampliação dos gastos sociais.

O economista Amir Khair, um dos representantes dessa corrente, acha que, se a taxa real de juro no Brasil for reduzida para o nível médio praticado pelos demais países emergentes, em dois ou três anos o governo poderá economizar R$ 72,5 bilhões ao ano, com a redução do pagamento dos juros da dívida pública. ¿São recursos mais do que suficientes para ampliar investimentos, reduzir a carga tributária e fortalecer os programas sociais.¿

Khair cita levantamento feito pela revista The Economist, segundo o qual a taxa básica de juros média dos países emergentes, que têm inflação semelhante à brasileira, é de 6,5% ao ano, em termos nominais, e de 1,5% ao ano, em termos reais. Atualmente, a taxa nominal do Brasil está em 13,75% ao ano e a real, acima de 9% ao ano.

Essa visão dos ¿desenvolvimentistas¿, que tem encontrado eco no PT e em áreas do governo, preocupa o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro. ¿Todo mundo quer que os juros caiam, mas está ficando a idéia de que se pode resolver a questão fiscal apenas com a queda dos juros. Essa idéia é perigosa e é uma armadilha, pois poderá dar origem a um crescimento que será abortado em seguida, pela volta da inflação e excesso da demanda.¿

Para Monteiro, a sociedade deve mesmo discutir se a política do BC está ou não correta. ¿Há problema na calibragem dos juros? Há, mas mexer apenas nos juros é uma proposta voluntarista, que tangencia a questão central.¿ Para ele, o desequilíbrio fiscal precisa ser resolvido com um programa sério de contenção das despesas correntes, que abra espaço no Orçamento para os investimentos em infra-estrutura.

O economista Fábio Giambiagi, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considera que a economia poderá até crescer 5% em 2007. Mas, para que essa taxa seja sustentável ao longo do tempo, Giambiagi não tem dúvida de que é preciso aumentar a poupança doméstica e elevar o investimento público. ¿Os juros devem cair e vão cair, mas seria desejável que isso se desse concomitantemente com uma inflexão na trajetória do gasto público¿, disse Giambiagi. ¿Na ausência disso, o risco que corremos é repetir 2004: crescer 5% fundamentalmente ocupando capacidade ociosa (da indústria) e deparar com uma restrição tempos depois.¿

Insuficiente A visão predominante entre os economistas ouvidos pelo Estado foi sintetizada por José Roberto Afonso, que assessora a liderança do PSDB. ¿A queda dos juros reais, por certo, é condição necessária para acelerar o crescimento, mas não é uma condição suficiente.¿ Ele considera que os juros e o câmbio estão fora do lugar e só uma política econômica consistente e coerente poderá acelerar o crescimento de forma sustentada.

O programa econômico de contenção dos gastos, defendido pela maioria dos economistas ouvidos, não precisa ser, na opinião de Delfim Netto, nada dramático. ¿Essa limitação das despesas não vai significar corte de gastos sociais nem vai causar nenhuma tragédia. O programa precisa apenas ser sério, consistente e crível.¿

Não basta apenas conter gastos para que o crescimento aconteça, advertem os economistas. O coordenador de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco, chama a atenção para as questões microeconômicas, como as relacionadas com os marcos regulatórios para as incertezas na área ambiental e para os entraves burocráticos enfrentados pelos empresários.

Castelo Branco reconheceu que houve avanços na desoneração tributária dos investimentos. Mas, para o economista, ainda há muito o que fazer nessa área. Ele citou, por exemplo, o prazo de 48 meses para que os empresários possam usar o crédito do ICMS obtido na aquisição dos bens de capital e o prazo de 24 meses para o uso do crédito da Cofins.