Título: Petrobrás inicia a batalha do preço
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2006, Economia, p. B7

A Petrobrás inicia na quarta-feira a segunda rodada de negociações com a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB), desta vez sobre os preços de exportação do gás para o Brasil, em um ambiente de incerteza. Oito dias depois de fechado o acordo que transformou a companhia brasileira em prestadora de serviços na exploração do gás na Bolívia, na noite de 28 de outubro, o texto permanece em segredo.

Nesta semana, entretanto, a negociação vai girar em torno de um tema mais próximo da opinião pública e com alto risco de impacto na economia brasileira - a elevação em 25% no preço de exportação do gás ao Brasil, exigida pelo governo nacionalista de Evo Morales. Os valores passariam de US$ 4 por milhão de metros cúbicos para US$ 5 - preço já acertado com a Argentina em 19 de outubro.

Qualquer que seja o aumento, o governo brasileiro terá de escolher entre dois caminhos. A Petrobrás poderá repassar o custo adicional aos consumidores - especialmente às indústrias, que tenderiam a incluir o aumento no preço de seus produtos, alimentando a inflação - ou absorver a elevação de custos, o que prejudicaria o resultado fiscal do setor público.

Esta seria a hipótese mais provável. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou enfaticamente não acreditar no aumento do preço do gás. ¿Se aumentar, o aumento ficará para a Petrobrás, não para o consumidor¿, disse Lula em maio, quatro dias após o anúncio da nacionalização do setor na Bolívia.

A Petrobrás insiste que não há necessidade de elevação nos preços do gás e vai enviar técnicos a Santa Cruz de la Sierra preparados para não ceder. A companhia argumenta que o valor atual está em linha com o preço do atacado nos mercado dos Estados Unidos e os preços do petróleo estão caindo. ¿O cenário é pouco favorável para a Bolívia. Não há sentido em aceitar essa pressão¿, disse uma fonte.

Mas os bolivianos não dão sinais de que podem ceder e, até agora, parecem ter levado a melhor. Antes do dia 28, a Petrobrás assegurava, por exemplo, que não aceitaria a transformação de sua subsidiária na Bolívia em prestadora de serviços.

Analistas da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp) acreditam que o acordo só pode ter sido ¿muito ruim¿ para os interesses da Petrobrás na Bolívia e dos investimentos de US$ 1,5 bilhão injetados no país, dado o sigilo que vem sendo mantido sobre seus termos. A justificativa para o segredo é a necessidade de aprovação do texto pelo Congresso boliviano.

O acerto envolveu apenas uma das pernas do tripé em negociação - o status da Petrobrás Bolívia na exploração do gás nas jazidas de San Antonio e San Alberto - e determinou que a companhia brasileira arque com todos os riscos da exploração do gás. Concluída a etapa desta semana, restará a rodada de negociações sobre o destino das duas refinarias da Petrobrás na Bolívia.

Para os mesmos analistas, ao aceitar concessões para firmar um acordo no dia 28, a Petrobrás ¿acobertou o risco¿ de uma ação unilateral do governo boliviano justamente no dia da eleição no Brasil - a ocupação das plantas da companhia pelas Forças Armadas bolivianas, como revelou na semana passada o próprio Evo.

Além da ameaça da invasão militar, os técnicos da estatal brasileira teriam negociado sob a ameaça de redução do fornecimento de gás ao Brasil, que seria reorientado para a Argentina em médio prazo, e da perda das jazidas, que seriam repassadas às concorrentes.

Defensor da política de nacionalização da Bolívia, o assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, qualificou essa avaliação como ¿especulação¿. ¿Não tem fundamento dizer que houve ameaças. A Bolívia tem interesse de vender gás para nós, sem excluir a exploração de novos mercados. O que existe é o seguinte: um setor da opinião pública que não está de acordo com a política que adotamos com a Bolívia e aposta no fracasso. Vamos com calma.¿