Título: A Bolívia quer mais
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/11/2006, Notas e Informações, p. A3

Em editorial publicado na terça-feira, dizíamos que não espantaria se a Petrobrás logo se visse compelida a fazer novos e vultosos investimentos na Bolívia - em cumprimento do contrato que foi virtualmente obrigada a assinar para continuar explorando os campos de gás de San Antonio e San Alberto -, apesar das afirmações do presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli, de que isso não aconteceria por falta de garantias regulatórias. Pois na mesma edição o leitor encontrou a notícia de que, na opinião do presidente da Petrobrás - a mais recente -, o contrato assinado no sábado abre espaço para a retomada dos investimentos na Bolívia. Cada vez que o sr. Gabrielli anuncia uma atitude firme em defesa dos interesses da Petrobrás, de seus acionistas e do Brasil, vem à lembrança a velha anedota da série de telegramas que começa com o aviso de que o gato subiu no telhado. Ele passou meses garantindo enfaticamente que a Petrobrás não aceitaria o papel de mera prestadora de serviço e que a isso a empresa preferia encerrar suas operações na Bolívia, buscando seus direitos em cortes internacionais. Mas a Petrobrás tornou-se prestadora de serviço - embora alegue ter assinado um contrato de produção compartilhada -, continua na Bolívia e não recorreu à arbitragem.

O fato é que o ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, entende que, ao assinar os novos contratos, as operadoras se comprometeram a investir US$ 3,54 bilhões nos próximos quatro anos. E, até o momento, tudo o que as autoridades bolivianas anunciam acontece - ao contrário dos chavões proferidos pelas autoridades brasileiras.

As dificuldades com a Bolívia estão longe de acabar. A Petrobrás e o governo brasileiro acreditavam que, vencida a etapa da negociação do contrato de exploração dos campos de gás, restaria apenas discutir o preço do gás fornecido ao Brasil e a questão das duas refinarias da Petrobrás.

As negociações sobre o preço do gás serão reiniciadas na segunda-feira e devem prosseguir até o dia 11. A Petrobrás não está disposta a rever preços, mas a Bolívia, que já fechou um grande contrato com a Argentina por US$ 5 o milhão de BTU, quer que o Brasil pague US$ 7,50 por milhão de BTU. A negociação será dura e, dado o desprezo revelado pelo governo Evo Morales pelos contratos, não será surpresa se a estatal boliviana YPFB ameaçar o Brasil com a suspensão do fornecimento ou coisa pior. Afinal, Evo Morales deixou tropas do exército boliviano de prontidão, para intervir no caso de a Petrobrás não assinar o contrato no sábado.

Mais complicada ainda é a questão das refinarias. O 'decreto supremo' de 1º de maio nacionalizou as instalações, determinando que o controle acionário pertence à YPFB. Mas não se falou em justa indenização. Ao contrário, as autoridades bolivianas encontraram 'provas' de que a Petrobrás teria superfaturado a produção, realizando fantásticos lucros irregulares de cerca de US$ 350 milhões. Trata-se, evidentemente, de uma fantasia - mas é com ela que o governo boliviano pretende ficar com as duas maiores refinarias do país sem desembolsar um centavo. Debochado, na terça-feira o presidente Morales sugeriu que o governo brasileiro as dê de presente à Bolívia. 'As duas refinarias custaram uns US$ 100 milhões. Para o Brasil não é nada.' É sim. Não custa lembrar que os ativos da Petrobrás são patrimônio da União e de milhares de acionistas.

Mas as atribulações da Petrobrás na Bolívia não acabam aí. Em conluio com a venezuelana PDVSA, a YPFB inicia este mês a construção de uma processadora de gás para produzir etano que será utilizado em uma planta petroquímica. Esse projeto, se concretizado, representará um duro golpe contra o Brasil. Em primeiro lugar porque, com a retirada do etano, o gás recebido pelo Brasil terá um poder calórico de apenas 960 BTU por pé cúbico, em vez dos 1.033 BTU previstos no contrato de fornecimento - ou seja, gerará menos calor por volume, o que é um calote.

Em segundo lugar, porque a planta boliviana-venezuelana inviabilizará a construção do pólo petroquímico da Petroquisa e da Braskem em Corumbá. O gás que será transportado para a planta estará empobrecido com a retirada das frações necessárias para a fabricação de polietileno. E o presidente Lula ainda diz que o Brasil precisa ajudar Evo Morales a transformar a Bolívia numa Suíça, como ele promete.