Título: 'O renascer da América Latina'
Autor: Anoop Singh
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/11/2006, Economia, p. B3

A América Latina desfruta hoje do mais longo período de expansão econômica das últimas décadas. Muitos países, incluindo o Brasil, colhem os frutos da estabilidade econômica e do crescimento econômico mais elevado. A inflação baixou e milhões de pessoas se libertaram da pobreza desde 2002.

Os líderes políticos têm pela frente o desafio de sustentar esses ganhos e gerar melhores condições de vida a todos. Um fator essencial será a expansão do investimento e da produtividade até os níveis exibidos por outros países de rápido crescimento, aliado à orientação das políticas governamentais no sentido de sustentar reduções adicionais da pobreza e das desigualdades sociais.

A atual expansão da América Latina tem, felizmente, bases muito mais sólidas do que no passado, quando um período de apogeu já carregava as sementes de seu próprio declínio. Hoje, os saldos fiscal e externo são mais robustos, as reservas internacionais mais elevadas e mais países contam com regimes de câmbio flexível para ajudar a absorver choques. A estrutura da dívida pública também é mais sólida, a inflação mais baixa e a competitividade tem se mantido estável. O FMI documenta essa evolução favorável em sua nova publicação 'Regional Economic Outlook for the Western Hemisphere' (www.imf.org).

A região tem, pois, plenas condições de continuar a crescer. Mesmo considerando a desaceleração da expansão econômica nos Estados Unidos, a expectativa para a América Latina é de um crescimento maior em 2006 ao redor de 4,75%, em parte devido ao melhor desempenho econômico do Brasil, e de mais de 4% em 2007. A inflação deve, em média, recuar para perto de 5% em 2007.

Com as oportunidades geradas pela atual conjuntura econômica favorável, o desempenho da América Latina pode ser ainda melhor, o que a levaria ao ingresso no grupo de economias de crescimento mais rápido e à realização de progressos mais imediatos no combate à pobreza. A região está se preparando para esses desafios, dando prioridade a três áreas inter-relacionadas.

Primeiro, seus países estão fortalecendo as bases da estabilidade econômica com o aprimoramento das instituições de apoio à política econômica. Segundo, estão tornando as políticas tributárias e de gastos públicos mais efetivas na proteção dos desafortunados. E, terceiro, estão eliminando os obstáculos estruturais ao investimento e ao crescimento. Essas ações são complementares e possibilitam um círculo virtuoso de ganhos econômicos e sociais de reforço mútuo.

Já existe um claro consenso regional a favor da estabilidade econômica, em que se reconhece que a inflação é um entrave ao crescimento e um imposto que onera mais pesadamente os pobres. Cresce também a convicção de que a redução das desigualdades de renda e da pobreza pode sustentar de forma significativa o crescimento econômico e contribuir decisivamente para a manutenção da estabilidade econômica e social.

Não causa surpresa, portanto, que a região tenha prosseguido nos esforços para baixar a inflação no curso das várias eleições realizadas no último ano. As eleições também são uma mostra de que, para se construir um consenso, as políticas governamentais devem visar a uma sociedade mais justa.

Desses objetivos compartilhados, está surgindo uma agenda de políticas governamentais. Essa agenda certamente varia segundo as circunstâncias de cada país, mas contém muitos elementos comuns, pois os países enfrentam problemas semelhantes.

Seguindo a experiência internacional, a América Latina tem fortalecido as suas instituições econômicas, visando à perpetuação da estabilidade conquistada nos últimos anos. A região tem construído bancos centrais e órgãos de supervisão financeira mais independentes e mais sólidos, e um número crescente de países, incluindo o Brasil, desde 1999, tem adotado o sistema de metas de inflação. Pouco a pouco, o aumento da credibilidade das instituições e o arrefecimento do risco de instabilidade periódica produzirão efeitos positivos importantes. Entre eles, conta-se a redução das taxas de juros, o que servirá de estímulo ao investimento e ao crescimento econômico.

As políticas orçamentárias e tributárias têm também um papel primordial na promoção da estabilidade, do crescimento e da redução da pobreza, como atesta a experiência internacional. Em outras palavras, não deve haver conflito entre esses objetivos. O tipo de reforma fiscal capaz de promover uma elevação duradoura do crescimento também aumentaria a eqüidade econômica. Essas reformas ainda contribuiriam para que o Estado apoiasse a atividade econômica e prestasse assistência social durante períodos de recessões. Salienta-se, assim, a importância de refrear o crescimento dos gastos públicos no atual período de expansão econômica, a fim de poupar recursos fiscais e reduzir a dívida. Isso não é muito diferente da idéia de economizar para o período de 'vacas magras'.

Em muitos países, a flexibilização do orçamento e a redução ainda maior da dívida pública são passos essenciais nesse sentido. A flexibilidade aumenta quando os governos reduzem o grau de vinculação de receitas a despesas com destinação obrigatória. Também há um espaço considerável para a eliminação das isenções de impostos e o aperfeiçoamento da administração tributária. Conforme avançam nessas medidas, os governos terão uma maior capacidade de promover o crescimento e de reduzir a pobreza, com o melhor direcionamento dos gastos em infra-estrutura, educação e rede de segurança social.

Os programas de assistência social dirigida, como o Bolsa Família, do Brasil, já obtiveram êxito ao direcionar benefícios diretamente aos pobres, muitas vezes vinculando-os à manutenção das crianças na escola e ao acompanhamento médico periódico. O Brasil tem mostrado liderança nessa área com o Bolsa Família, que agora alcança cerca de 11 milhões de famílias e tem contribuído de uma forma importante com a redução da pobreza. O desafio para a região é conseguir redirecionar os gastos para esses programas de auxílio aos pobres e evitar dispêndios que beneficiem grupos de maior renda.

Os países também têm enfatizado a necessidade de reduzir as barreiras ao investimento e ao aumento da produtividade e, assim, estimular o crescimento e elevar os rendimentos. Em muitos países, discutem-se formas de melhorar a capacitação profissional e a educação do povo. O mesmo se verifica em relação à maior abertura ao comércio e à concorrência. A experiência internacional mostra que a redução das barreiras de entrada no mercado de produto, a flexibilização do mercado de trabalho e o aprimoramento da regulamentação econômica trazem recompensas em termos de maior investimento e produtividade, o que, por conseguinte, estimula o crescimento econômico.

A América Latina trilhou um longo caminho e, hoje, colhe os frutos das reformas já realizadas, com um período de expansão econômica mais vigoroso e de bases mais sólidas do que o experimentado pela região no passado. Além do mais, os governos vêm procurando empreender reformas que permitam à região recuperar terreno em termos de crescimento e eqüidade. Durante esse processo, o FMI continuará a apoiar os países latino-americanos com seu assessoramento econômico, assistência técnica e, se necessário, apoio financeiro.