Título: Governo tenta de novo acertar o passo do microcrédito
Autor: Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/11/2006, Economia, p. B4

O programa de microcrédito no Brasil já concedeu R$ 8,4 bilhões em empréstimos, desde 2003 a agosto deste ano, segundo levantamento do Ministério da Fazenda. Apesar da cifra bilionária, o próprio governo reconhece que o programa ainda está longe do sucesso como instrumento de geração de renda para a população carente e prepara modificações nas regras para tentar deslanchar.

Entre as medidas em estudo, técnicos dos Ministérios da Fazenda e do Trabalho buscam fórmulas para retirar as 'travas' aos empréstimos com destino produtivo. 'Algumas amarras foram definidas no início por cautela, mas o objetivo agora é simplificar', disse o assessor especial do Ministério da Fazenda, Gilson Bittencourt, que participa das discussões.

Atualmente, o microcrédito produtivo orientado - regulamentado por lei em 2005 - permite empréstimos de até R$ 10 mil, com taxa de juros máxima de 4% ao mês e destinados a empreendedores cuja renda anual não pode ultrapassar R$ 60 mil. Nesse caso, o tomador de crédito deve apresentar um projeto e recebe orientação.

Em outro segmento, chamado microcrédito popular, os empréstimos, em geral, vão para o consumo. O uso do dinheiro é livre pelo tomador e o limite é também R$ 10 mil, com taxa de 2% ao mês. O teto de R$ 10 mil nos dois casos foi igualado este mês com autorização do Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), uma das fontes de recursos do segmento produtivo.

Segundo Bittencourt, o governo também pretende elevar para até R$ 120 mil por ano o limite de renda dos microempreendedores que podem ter direito a esses empréstimos. 'Isso ainda precisa de um decreto presidencial', explicou. Por fim, o governo estuda mudanças nos valores máximos permitidos para as operações, algo que ainda terá que ser submetido ao Conselho Monetário Nacional (CMN).

A avaliação dentro do governo é que o microcrédito no País ainda tem grande potencial de crescimento e a demora em engrenar se justifica por não ser um simples programa de repasse de dinheiro, mas que envolve uma relação de crédito e obrigação de pagamento.

FALTA CONHECIMENTO

O coordenador do Programa de Microcrédito Produtivo Orientado (PMPO), do Ministério do Trabalho, Almir da Costa Pereira, afirmou que somente agora, após quase três anos de formatação do microcrédito como política pública, os bancos começam a conhecer melhor o público de baixa renda. 'Os bancos não tinham domínio da metodologia de se trabalhar com esse tipo de cliente e, num primeiro momento, priorizaram esse crédito para consumo', comentou.

Além de recursos do FAT, que são operados pelos bancos oficiais, o microcrédito deve receber o equivalente a 2% dos depósitos à vista dos bancos. O direcionamento é obrigatório e o dinheiro não aplicado nessa finalidade deve ficar recolhido no Banco Central sem qualquer remuneração.

Ainda assim, os bancos não estão cumprindo todas as exigências. Até agosto, segundo o levantamento do Ministério da Fazenda, foi destinado pouco mais de R$ 1 bilhão pelas instituições para esses empréstimos, cerca de metade do valor devido.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) argumenta que em no máximo três anos o total de 2% dos depósitos à vista irá para os empréstimos, porque os bancos não gostam de recolher ao BC, mas de emprestar.

O governo aposta ainda que, melhorando o ambiente regulatório do programa e mantendo-se a redução gradual da taxa de juros básica (Selic), os bancos e os empreendedores vão se interessar cada vez mais pelo microcrédito.