Título: Crescer resolve?
Autor: José Renato Nalini
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2006, Espaço Aberto, p. A2

Ao se debruçar sobre o tema ¿Gasto Público Eficiente¿ para os Poderes autônomos, o economista Marcos Mendes constatou que a despesa com pessoal no Judiciário aumentou 131% entre 1995 e 2004 . Somente os gastos da União com o Judiciário Federal significaram expansão de oito vezes: de 0,11% para 0,84%. Se forem indagar a muitos detentores de poder de administração da Justiça, ainda dirão que é pouco.

A visão centrada no crescimento quantitativo afirmará que as verbas destinadas à Justiça antes desse crescimento eram insignificantes e que houve apenas uma tentativa - embora ainda insuficiente - de correção da avareza governamental. Acrescentará que o atual dispêndio necessita de reforço e que os novos governos hão de ser acionados para atribuir ao Judiciário - e também ao Ministério Público - verbas mais polpudas nos próximos anos.

Esse discurso é o que predomina no âmbito interno e se mostra persuasivo para os integrantes das duas carreiras mais representativas desse complexo universo chamado Justiça. Magistrados e promotores acreditam que os problemas da disfuncionalidade na prestação jurisdicional decorrem, fundamentalmente, de limitação de verbas. Não houvera freio imposto pela Lei de Responsabilidade Fiscal e se poderia contratar mais pessoal, instalar mais unidades judiciais, equipar melhor o serviço público estatal encarregado de resolver conflitos.

Sem contrariar os que assim continuam a pensar - na permanência das explicações encontradas para justificar a lentidão, a burocracia, o descompasso com as aspirações da população -, é preciso abrir outras vertentes. Essa não é a única explicação razoável para os problemas consensualmente reconhecidos em relação ao Judiciário. Cabeças abertas e despidas de preconceitos conseguirão assimilar os sintomas de uma nova realidade.

Embora Poder da República destinado a conviver em harmonia e independência com os dois outros, o Judiciário sempre se considerou um estamento à parte. Por trabalhar com uma única dimensão de tempo - o passado - perdeu a perspectiva de futuro e não soube repensar-se, nem fazer projetos destinados a compatibilizar sua função com as urgências contemporâneas. Ele se atrasou, mas a Nação soube cobrar uma reação à inércia institucional.

O último recado constituinte foi exigir um Judiciário mais eficiente. A inserção do princípio da eficiência como fundamental à administração pública não chegou a causar profundas mudanças no Poder. A Emenda 45/2004, prestes a completar dois anos, foi um conjunto de recados contundentes ao Judiciário. Ele precisa ajustar-se à contemporaneidade. Seu ritmo é incompatível com o de uma sociedade imersa na volúpia da velocidade.

Se o constituinte fez sua parte, incumbe agora à Justiça fazer a dela. O velho paradigma de tentar pôr um juiz em cada esquina, pronto a apreciar e institucionalizar qualquer tipo de problema, com certeza não é adequado, nem o que se espera.

A fórmula tradicional de resolução das controvérsias já evidenciou há muito sua exaustão. A multidão de operadores do direito produzida pelas 1.004 faculdades em funcionamento no Brasil aprendeu apenas a litigar, não a fazer justiça. Não há preocupação maior com a conciliação, com a administração dos interesses lesados, com a busca de alternativas de pacificação. O único rumo apontado à estudantada é o processo judicial. Daí a tonelagem máxima de produção doutrinária sobre esse instrumento, que parece converter-se na única finalidade da Justiça.

Tenta-se evidenciar a instrumentalidade do processo, mas a cultura jurídica resiste à simplificação. Os Juizados Especiais foram criados com o objetivo de prestigiar a oralidade e a singeleza. A opção preferencial pelo acordo. Mas já se contaminaram e passaram a apresentar os mesmos vícios da jurisdição comum: pautas longas, textos escritos, formalismo e complicação.

Essa Lei de Murphy também parece ter acometido a influência que os dinâmicos e racionais Tribunais de Alçada - modelos de eficiência no Estado de São Paulo - poderiam trazer para a complexa administração do Tribunal de Justiça. Os setores que se destacavam pela modernização foram absorvidos e se perdeu a rica experiência adquirida.

Alguns Estados conseguiram reverter a situação de acervo perpétuo e obtêm desempenhos reconhecidos. Por exemplo, os prazos hoje satisfatórios de ultimação das lides. O Rio de Janeiro é apontado em todo o Brasil como paradigma de celeridade na segunda instância. É por isso que algumas empresas elegem o foro do Rio para seus contratos. Na confiança de que eventuais desentendimentos não estarão fadados à perpetuidade se tiverem de chegar aos tribunais.

Verdade que a Justiça do Rio dispõe da totalidade dos emolumentos e São Paulo não conseguiu esse tento. Mas ali houve diálogo entre os Poderes antes de se alcançar esse objetivo. O Judiciário, como Poder da República, está no mesmo nível dos demais Poderes. Não detém o monopólio da soberania. A democracia impõe que ele dialogue com os outros braços da soberania para obter resultados em proveito do povo.

Importa é constatar que sem projeto consistente, sem reformulação de estruturas, enxugamento de quadros, adoção de novas estratégias, estímulo à motivação do funcionalismo, promessa de aumento de produtividade, a reivindicação de mais verbas se torna a reiteração monótona de praxes já superadas.

O Brasil de tantas carências e de escasso manancial financeiro necessita de propostas factíveis. O Judiciário, celeiro de talentos e de erudição, precisa se convencer de que sua melhor doutrina para este século é o discurso da eficiência conseqüente. Não a pretensão de mais verbas, sem oferecer efetiva e palpável contraprestação. Se estiver disposto a se modernizar, não haverá falta de recursos. Venham os planos para uma nova Justiça. A partir daí, o mais virá por acréscimo.