Título: Evo enfrenta protestos e greve de fome
Autor: Gabriel Bueno
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/11/2006, Internacional, p. A17

Cinco mil pessoas marcharam ontem pelas ruas de Santa Cruz de La Sierra para protestar contra o governo de Evo Morales. O presidente boliviano está na mira da oposição por causa de um projeto enviado ao Congresso que dá poderes ao Executivo de afastar os governadores e pela manobra de seu partido para aprovar artigos de seu interesse na Assembléia Constituinte. Além disso, Evo está sendo criticado por pressionar o Senado a aprovar seu projeto de reforma agrária.

A marcha foi organizada por empresários agropecuários do Departamento de Santa Cruz, o mais próspero do país. 'Não aceitaremos que a Assembléia Constituinte desconheça a lei', advertiu German Antelo, presidente do Comitê Pró-Santa Cruz, movimento que reúne o empresariado local e profissionais liberais.

O partido de Evo, o Movimento ao Socialismo (MAS) - que controla 54% dos votos na Constituinte - impôs uma regra, em setembro, que prevê a aprovação dos projetos por maioria simples. A oposição alega que a convocação da Constituinte determinava a necessidade de dois terços de aprovação para cada artigo e denunciou a manobra como golpista.

GREVE DE FOME

A raiz da discussão é o caráter ambíguo da legislação - que não é conclusiva nesse ponto, de acordo com juristas. A única certeza é que o texto final da nova Constituição deve ser aprovado por dois terços dos deputados constituintes. 'O risco é de que, aprovando os artigos com maioria simples, o partido do governo também tente fazer o mesmo para passar o texto final', disse ao Estado o economista Gonzalo Chávez, da Universidade Católica Boliviana, de La Paz .

Na sexta-feira, membros da oposição iniciaram uma greve de fome para protestar contra a manobra governista na Assembléia Constituinte. Liderado por Samuel Doria Medina, do Partido Unidade Nacional (UN), o protesto se estendeu a seis cidades e já conta com 120 grevistas, entre constituintes, parlamentares e militantes. Até agora, nem Evo nem o MAS deram sinais de que pretendem recuar e recusam-se a negociar com a oposição.

O Poder Democrático e Social (Podemos), maior partido de oposição, não aderiu à greve de fome, mas prometeu, nas palavras do ex-presidente Jorge Quiroga (2001-2), uma 'resistência pacífica'. A direção do Podemos marcou uma reunião para estudar medidas para 'preservar a democracia', segundo Quiroga.

No domingo, os governadores de seis dos nove Departamentos (Estados) bolivianos divulgaram comunicado 'rompendo relações com o Poder Executivo'. Os governadores de Santa Cruz, Beni, La Paz, Cochabamba, Pando e Tarija também se opõem à conduta do MAS na Constituinte.

Além disso, protestam contra um polêmico projeto enviado por Evo ao Congresso na segunda-feira. O pacote dá ao Legislativo o poder de fiscalizar os governos estaduais e ao Executivo a decisão de afastá-los ou não do cargo, em caso de má conduta.

O rompimento agravou a crise política, pois esses seis Estados concentram 80% da população e quase 90% da economia boliviana. 'Nessas regiões podem ocorrer enfrentamentos entre partidários de Evo e a oposição', advertiu o cientista político Fernando Galindo, da Universidade Mayor de San Simón, em Cochabamba .

Em meio ao clima de descontentamento, o MAS ainda usou sua maioria na Câmara dos Deputados para aprovar recentemente um projeto de lei que aumenta o poder do governo para determinar quais áreas são improdutivas e destiná-las à reforma agrária.

A medida segue agora para o Senado, onde a oposição tem maioria. Evo ameaçou, na semana passada, impor 'à força' a reforma.

Indígenas de vários pontos do país organizaram caminhadas para pressionar os senadores pela aprovação. Caso o projeto seja rejeitado, será convocada uma sessão conjunta do Congresso - deputados e senadores - para votá-lo. Neste caso, de acordo com o governo, as chances de aprovação são maiores.