Título: 'Lula dá a impressão de estar perdido antes do novo mandato'
Autor: Carmen Pompeu
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/12/2006, Nacional, p. A7

Entrevista

Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado de Ciência Política da USP e Unicamp

Cientista político vê incerteza e insegurança nas últimas declarações do presidente sobre o que fazer para o País crescer

Declarar que é necessário 'um bando de mágicos' para fazer o Brasil crescer e a aparente incoerência de propor diálogo com a oposição, ao mesmo tempo em que aponta governos anteriores como culpados por tudo de errado no País, parecem indicar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não tem um rumo certo no segundo mandato. A opinião é do cientista político Leôncio Martins Rodrigues, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A seguir, a entrevista:

O presidente dá sinais contraditórios, mas isso poderia ser uma estratégia para o embate político?

De fato, o presidente dá a impressão de estar perdido antes de começar o segundo mandato. As recentes declarações de que ainda não sabe o que fazer para levar o País a crescer, de que, para tanto, seria preciso 'um bando de mágicos', são confissões de incerteza e insegurança que cercam a próxima administração federal. No entanto, as intenções do presidente não me parecem claras. Acho estranho que, após quatro anos de governo, um presidente reeleito declare que não sabe o que fazer para destravar a economia, para superar o 'crescimento medíocre' das últimas décadas. Essas declarações públicas de incompetência são acompanhadas de críticas a praticamente todos os atores políticos e sociais importantes: o País, os Estados, a União - que não têm 'disposição de investir' -, a imprensa, os ecologistas, os índios, a parte da classe política irresponsável. O único que não teria nenhuma culpa seria o próprio presidente.

Como o senhor avalia a situação de Lula no segundo mandato?

O presidente perdeu seus principais e fiéis colaboradores. Os escândalos de corrupção, apesar da estrondosa vitória eleitoral, afetaram a imagem do presidente na opinião pública e na classe política. O PT perdeu a auréola de honestidade e a marca de renovação que ostentou antes de chegar ao poder. Apesar disso, não me parece que a situação do presidente seja, às vésperas do segundo mandato, muito pior do que às vésperas do primeiro. É certo que o PT está mais fraco e muitos petistas da velha guarda, membros do círculo íntimo do presidente, devem ficar de fora da administração. Mas talvez isso não seja muito ruim para Lula.

Mas Lula não ficará mais dependente dos outros partidos para montar um novo ministério?

É verdade, mas, em compensação, ficará um pouco mais livre da pressão do PT, especialmente dos seus membros mais ideológicos, que não obtiveram os cargos que esperavam ou que acreditavam nas reformas socialistas proclamadas pelo PT antes de chegar ao poder.

O que ocorre com a percepção dos aliados ao notar sinais de fraqueza? Aumentaria o fisiologismo na relação com o governo?

Certamente, mas terão que se conformar com algumas normas não formalizadas de distribuição dos cargos, basicamente o número de cadeiras no Congresso que cada legenda possui. Lula, que de bobo não tem nada, busca trazer o maior número possível de siglas para seu 'presidencialismo de coalizão', para uma coligação ampliada ao máximo que poderia chegar a 2/3 do Congresso. Do ponto de vista presidencial, quanto mais partidos conseguir atrair, mais fraco ficará cada um deles, especialmente o PT. Como corolário, teremos um Lula mais afastado de suas origens partidárias, mais acima dos mesquinhos conflitos partidários. Nesse caso, o novo governo será muito mais lulista do que petista, com um presidente mais solto para dirigir-se diretamente às massas.

Como pode ser a base parlamentar do presidente Lula neste segundo mandato?

Se tudo correr bem para Lula, seria uma base mais multipartidária e menos esquerdista, provavelmente com lideranças no Senado e na Câmara mais competentes e experientes do que as anteriores.