Título: Site rastreia contas do governo
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/11/2006, Nacional, p. A12

Num pequeno escritório em Brasília trabalham quatro estagiários, um engenheiro de informática e um economista com diploma da PUC do Rio de Janeiro que simbolizam uma mudança notável na maneira de o cidadão brasileiro acompanhar a atuação do governo. Eles fazem o portal Contas Abertas (www.contasabertas.com.br), especializado em acompanhar o movimento daquela mercadoria que funciona como principal termômetro para avaliar uma administração e suas prioridades - o dinheiro.

Com uma respeitável marca de 250 mil acessos mensais, o Contas Abertas esteve por trás de boa parte das revelações que ajudaram os brasileiros a conhecer as decisões de Brasília. A partir de dados capturados no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), o portal demonstrou que o governo só gastou 35% das verbas destinadas a segurança de vôo que poderiam ter impedido o caos nos aeroportos. O Contas Abertas também rastreou convênios assinados pelo governo Lula para pavimentar a reeleição e ainda revelou que uma entidade ligada ao Movimento de Libertação dos Sem-Terra (MLST), que participou de deprimentes cenas de baderna no Congresso, recebeu benefícios públicos da ordem de R$ 5,7 milhões.

Embora produza informações de maior utilidade para a oposição, o que é esperado em toda atividade que fiscaliza o governo, durante a campanha presidencial Lula chegou a usar seus dados - e citar a fonte - para defender-se da acusação de que gastava muito dinheiro com viagens. Usando uma série histórica do Contas Abertas, Lula mostrou que, levando em conta a inflação, os gastos de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, foram mais altos.

Lançado em dezembro do ano passado, o Contas Abertas é a encarnação mais vistosa de uma mudança de costumes que a internet está produzindo no cotidiano político, como aponta o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ). 'Nem o Bill Gates sabe todas as mudanças que a internet vai trazer para o mundo', afirma Miro Teixeira. 'Mas de uma coisa nós já sabemos: ela tornou mais difícil mentir ou dizer bobagem.'

O Contas Abertas não é o único exemplo. O site Transparência Brasil, que levantou a folha corrida de parlamentares candidatos à reeleição, faz parte do mesmo fenômeno. No esforço para atrair um público mais amplo - sua platéia equivale a um quinto daquela conseguida pelo Contas Abertas -, o Portal da Transparência, criado pela Controladoria-Geral da União, anuncia um conjunto de novidades a serem implantadas em 8 de dezembro, Dia Mundial de Combate à Corrupção.

As mudanças anunciadas são três: o usuário poderá chegar ao nome de qualquer beneficiário de uma ordem de pagamento do governo a partir de seu nome completo ou registro na Fazenda, seja o CPF ou CNPJ. Também se promete acesso imediato aos gastos em viagem de qualquer funcionário - e até consultas por ordem alfabética.

O Contas Abertas ocupa um lugar especial como fiscal do governo e nasceu pelo casamento de duas distorções. O portal é uma ONG que tem uma senha nível 9 - a mais ampla da legislação brasileira, mais elevada que a de um ministro de Estado. O documento é exclusivo de deputados e senadores, já que envolve acesso a informações que não são de acesso público. Só que o portal foi criado por Augusto Carvalho (PPS-DF), então deputado distrital. O cargo não lhe dava direito à senha, mas ele pegou emprestada a que pertence ao senador Roberto Freire (PE), colega de partido. Para fazer pesquisas em áreas mais sofisticadas do Siafi, o portal ganhou direito a uma mesa de trabalho no gabinete do deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) - pois o acesso a esses arquivos só é possível para os computadores instalados dentro do Congresso.

O site definiu em seu estatuto que não recebe verba de nenhum governo e tem aceito parcerias privadas. Uma delas foi com o Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a Infância, que o contratou para monitorar gastos do governo com crianças carentes. Outra foi com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), para quem faz levantamentos de interesse dos empresários, como obras de infra-estrutura e logística. Dois deputados, Fernando Gabeira (PV-RJ) e Sérgio Miranda (PDT-MG), também ofereceram suas senhas para serem usadas, em caso de necessidade. Mais de 90% das pesquisas atendem a pedidos de jornalistas.

É curioso que um parlamentar distrital - equivalente a estadual - tenha feito mais pela divulgação dos dados do Siafi do que os federais, enquanto muitos parlamentares até perdem a senha por falta de uso. Ex-líder sindical, antigo militante do PCB, Carvalho é um velho caçador de irregularidades em governos federais. Durante o governo Fernando Henrique, uma de suas revelações derrubou 12 assessores do então ministro Pelé em menos de 24 horas. Uma ministra caiu depois que o deputado divulgou ordens de pagamento agendadas pelo marido dela. A partir de fevereiro, Carvalho assume uma cadeira de deputado federal, para a qual foi eleito como o quarto deputado mais votado do Distrito Federal.

'A forma mais politizada de discutir os atos de um governo é mostrar para onde vai o dinheiro', afirma Carvalho. 'Mais transparência gera mais controle social, que gera mais legalidade e qualidade nos gastos púbicos', diz o economista Gil Castello Branco, que dirige as pesquisas no portal e, há mais de uma década, se habituou a discutir orçamentos em diversos ministérios.