Título: Inflação perde a âncora verde
Autor: De Chiara, Márcia.
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/11/2006, Economia, p. B6

A inflação perdeu a âncora verde da agricultura. O choque de preços dos produtos agropecuários, detectado no atacado em outubro, começa a aparecer nos índices de inflação ao consumidor este mês. E deve pressionar o custo de vida do brasileiro neste fim de ano e durante o primeiro semestre de 2007.

Os alimentos podem responder por 1 ponto porcentual da inflação, estimada em 4,2% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2007, segundo cálculos da RC Consultores. Neste ano, para um IPCA que deve fechar em 3,3%, os alimentos devem contribuir com 0,4 ponto porcentual, segundo a consultoria.

A alimentação é o grupo de maior peso no IPCA. Sozinho, esse grupo responde por 22% do indicador. Apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o IPCA é o índice de referência para os sistema de metas de inflação do governo.

'A contribuição dos alimentos para a inflação de 2007 deverá ser mais que o dobro da deste ano', prevê o diretor da consultoria e responsável pelo cálculo, Fábio Silveira. Segundo ele, a alta de preços dos alimentos, já sentida no atacado, nem começou no varejo.

No mês passado, os preços dos alimentos subiram 0,88% no IPCA, depois de terem aumentado apenas 0,20% entre julho e setembro e registrado deflação de 1,30% no primeiro semestre do ano.

'Para este mês e o próximo, o IPCA da alimentação deverá ser gordo e equivalente ao resultado obtido em outubro', diz Silveira. Ele estima que, no último trimestre, a inflação dos alimentos medida pelo IPCA acumule alta de 2,8% e atinja 3% no segundo semestre.

Se a projeção se confirmar, a inflação dos alimentos acumulada entre julho e dezembro deste ano será a maior taxa semestral desde o primeiro semestre de 2003, que foi de 6,5%. O economista destaca também que, há seis semestres consecutivos, as variações dos preços dos alimentos são muito baixas e até negativas.

De janeiro a outubro, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) subiu 1,34%, enquanto a alimentação no varejo caiu 1,08%. 'É muito difícil ter dois anos seguidos de preços agrícolas em queda. É improvável que isso se repita no ano que vem', diz o coordenador de Análises Econômicas da FGV, Salomão Quadros.

Ele destaca que as altas de preços dos produtos agrícolas no atacado em outubro começam a ter impactos no bolso do consumidor. No mês passado, o arroz em casca, a soja em grão, o trigo, o feijão e as aves vivas subiram 12,81%, 7,08%, 6,35%, 2,58% e 3,02%, respectivamente, segundo dados do Índice de Preços por Atacado (IPA).

Até a primeira quinzena deste mês, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), também apurado pela instituição, aponta elevações nas cotações desses mesmos produtos no varejo. O arroz branco subiu 2,55%; o óleo de soja, 0,24%; a farinha de trigo, 2,08%; o feijão carioquinha, 1,70%; e o frango inteiro, 8,98%.

Quadros observa que o pulo no IPC-S de fins de outubro para a primeira quinzena de novembro, de 014% para 0,34%, ocorreu por causa da alimentação, que passou de 0,17% para 1,06% no mesmo período, puxada especialmente pelos produtos in natura. Mas o economista pondera que alimentos processados também deram a sua contribuição. Eles responderam por aproximadamente 20% da elevação do preço da comida ao consumidor.

É exatamente o repasse da alta dos preços das matérias-primas agrícolas para os alimentos industrializados, como enlatados e processados, que deve pressionar os alimentos no primeiro semestre do ano que vem, na análise de Silveira, da RC Consultores.

Ele acrescenta que, mesmo com a entrada da safra de grãos no segundo trimestre de 2007, os preços das commodities não devem ceder tanto como é usual em períodos de colheita. Apesar de as estimativas preliminares do governo apontarem para uma safra de grãos para 2007 de 121,3 milhões de toneladas, ligeiramente maior que a deste ano, analistas não acreditam nesse aumento. Com a crise no agronegócio, o agricultor usou menos tecnologia, o que pode afetar a produtividade dos grãos. As vendas de defensivos, que são um bom termômetro do uso de tecnologia, por exemplo, caíram 12% este ano na comparação com 2005.

Além dos preços agrícolas que ajudaram a conter a inflação deste ano, Quadros lembra que as tarifas reajustadas pelos IGPs não vão contribuir para uma inflação menor em 2007. É que, exatamente por conta do choque agrícola, a perspectiva é de que esses indexadores fechem este ano com variação acumulada perto de 3,5%, ante 1,21% do ano passado.