Título: Muita gente ou pouca gente?
Autor: Novaes, Washington.
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/08/2006, Espaço Aberto, p. A2

No próximo mês de outubro, os demógrafos norte-americanos deverão anunciar com certo estardalhaço - a que se seguirão numerosas polêmicas, especialmente sobre imigrações - que os EUA chegaram ao seu 300.000.000º habitante. Porque, dizem eles, continua nascendo ali um bebê a cada 8 segundos, ao qual se junta a cada 31 segundos um imigrante. Descontada uma pessoa que morre a cada 12 segundos, o saldo é de uma pessoa a mais na população a cada 14 segundos, para se somar aos 297,9 milhões que havia em janeiro. E isso significará que a população do país terá triplicado em menos de um século, já que eram 100 milhões em 1915, o dobro em 1967. É a terceira população do mundo, inferior apenas à da China (mais de 1,3 bilhão) e da Índia (mais de 1,1 bilhão). Com um crescimento líquido de 1% ao ano, o país ganha a cada ano o equivalente a uma cidade como Chicago (2,8 milhões).

Já no mundo, onde se ultrapassou a casa dos 6,5 bilhões de habitantes - com mais 160 mil por dia, chegamos em julho a 6.527.525.419 -, a previsão para 2050 varia entre 9,1 bilhões (Escritório do Censo dos EUA) e 9,3 bilhões (ONU), dependendo da taxa de crescimento, que vem decaindo. De qualquer forma, pela primeira vez a maioria da população estará nas cidades - o que complica os problema, porque aumenta o consumo de materiais, alimentos e energia, no momento em que já se está acima da capacidade de reposição de recursos e serviços naturais no planeta. Apenas na área da energia, prevê-se um aumento de 71% no consumo até 2030.

Só a China pretende urbanizar mais 300 milhões de pessoas nas próximas duas décadas. E é ali, na Ásia, que o aumento populacional e as pressões de consumo devem exacerbar-se, já que 65% da população mundial está naquela região (14% na África, 11% na Europa, 9% na América Latina, 5% na América do Norte, menos de 1% na Oceania). A taxa de fecundidade (filhos por mulher em idade fértil) continua a cair, está em 2,1 - praticamente a taxa de reposição - e deve baixar mais. Mas, como o "estoque" de mulheres nessa idade é grande, a população continuará a crescer, também com a contribuição da maior esperança de vida.

Mais complicado é que 85% da população neste século estará nos países ditos em desenvolvimento, enquanto mais de 80% do consumo estará nos países industrializados. Segundo a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), só para dar educação adequada às crianças da zona rural no mundo seria necessário mais US$ 1,64 bilhão por ano. Não surpreende que as pessoas continuem a migrar para as cidades e dos países pobres para os mais ricos. No ano passado já havia 191 milhões de migrantes no mundo, dos quais 115 milhões se transferiram para os países industrializados (um em cinco para os EUA, três quartos do total em 28 países industrializados). Mas está crescendo também a chamada migração Sul-Sul, já com mais de 75 milhões de pessoas. E nesses números estão incluídos a migração de talentos, remessa de dinheiro dos migrantes para os que ficam (US$ 167 bilhões no ano passado), preconceitos e dramas raciais.

Em alguns países ricos a situação é curiosa - enquanto parte da população não quer migrantes, outra parte não vive sem eles -, até porque estão perdendo população, como é o caso do Japão, que, a persistirem as atuais taxas, em 2050 terá passado dos atuais 120 milhões para pouco mais de metade disso. A França está pagando bônus de 750 euros durante um ano para cada casal que tiver um terceiro filho. A previsão da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de que no âmbito dos países industrializados em 2050, com o envelhecimento da população, 10 pessoas ativas manterão 7 inativas (eram 10 ativas para 4 inativas em 2000, segundo artigo do embaixador Rubens Barbosa nesta página, em 23/9/2005). Um dos casos mais complicados é o da Rússia, onde a população de 148 milhões em 1991 caiu para 142,7 este ano - o que levou o presidente Putin a criar um abono de US$ 55 por filho (a expectativa de vida ali é de 66 anos, ante 80 na União Européia).

Por aqui, segundo o IBGE, como já baixamos a taxa de fecundidade para 2,1 filhos por mulher, próxima da reposição, a previsão é de que cheguemos a 2050 com 247,2 milhões. A queda do número de filhos por mulher é impressionante: de 6,16 na década de 60 para 4,35 na de 80 e 3,16 na de 90; boa parte dessa queda se deve aos altos índices de esterilização. Outros números impressionantes, mostrados pelo professor José Eustáquio Alves, do IBGE, estão na relação de dependentes no País por pessoa em idade de trabalho. Entre 1950 e 1980, eram 82 dependentes por 100 na ativa; até 2030, esse número de dependentes cairá para 42; poderá subir um pouco, até 50, em 2050, por causa do envelhecimento da população. Diz ele que, com essa menor dependência, a taxa de crescimento econômico necessária para atender às necessidades cairá de 7% para 5% ao ano.

É possível, embora no momento se esteja vendo uma situação preocupante em alguns indicadores sociais e econômicos das grandes regiões metropolitanas, segundo estudo do diretor-executivo do Instituto Trabalho e Sociedade, André Urani (Estado, 25/6). Diz ele que entre 1992 e 2004 a porcentagem de pobres no País caiu de 40,8% para 31,7%, mas nas regiões metropolitanas a queda foi menor, de 30,1% para 26,7% (em São Paulo quase não houve queda - foi de 24,2% para 23,5%). A renda real média no País cresceu nesse período 9,5%, mas só 1,2% nas regiões metropolitanas; e caiu 3,9% em São Paulo. O ganho real de renda dos 10% pobres nas regiões metropolitanas foi de 10,11%, ante 22,69% dos 10% mais ricos.

São, todos, números que aconselham muita reflexão aos formuladores de políticas públicas. Principalmente na Grande São Paulo, que, em 2015, chegará a 20 milhões de habitantes. Mais que Nova York (Estado, 18/2/2005).