Título: Pinheiro, da Receita, questiona MP do chip
Autor: Velloso, Thiago e Mello, Patrícia Campos
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/08/2006, Economia, p. B1

Apesar de o próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter garantido que a divulgação da medida provisória que dará incentivos para a implantação de fábricas de semicondutores no País é uma questão de dias, o secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro, lançou ontem dúvidas sobre a edição da MP.

Ele manifestou desconforto com o pacote de incentivos tributários em exame pelo governo e disse que o assunto só foi levado recentemente ao secretário da Receita, Jorge Rachid, "numa discussão ainda muito embrionária" para a definição do modelo a ser adotado. Segundo Pinheiro, a Receita não recebeu ainda nenhuma proposta com os itens a serem desonerados.

Anteontem, Mantega, a quem Pinheiro é subordinado, disse que as medidas devem ser anunciadas até a próxima semana. O ministro mostrou a jornalistas uns papéis que seriam a minuta da medida provisória e afirmou que o setor seria desonerado de impostos federais no que fosse possível. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, está coordenando as discussões no governo.

Confrontado com a informação de que a minuta da MP estaria pronta, Pinheiro respondeu com uma indagação: "Onde?" Ao ser questionado se o governo estaria fazendo a MP pelas costas da Receita, Pinheiro foi ainda mais irônico: "A Receita não tem costas nem frente. A Receita é subordinada ao ministro da Fazenda".

O secretário-adjunto questionou ainda a avaliação de analistas e alguns técnicos do governo de que não haveria perda de arrecadação com o incentivo tributário para as empresas de semicondutores, porque o setor ainda não existe no Brasil. "É um conceito. Mas o que se quer desonerar? O tijolo, o cimento e o ferro, que vão ser usados para fazer a fábrica? Nesse caso há renúncia porque se vende esses produtos", avaliou. Para ele, não é possível fazer uma valoração da existência ou não de renúncia, já que as medidas ainda não estão fechadas.

É a segunda vez em pouco tempo que a discussão de medidas de redução de impostos provoca confusão e mal-estar no governo. Na semana passada, o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, foi desautorizado publicamente por Mantega porque afirmara que não haveria mais desoneração tributária este ano, "nem que o governo arriasse as calças". Almeida havia tomado a iniciativa de procurar jornalistas para contestar declarações do ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que anunciava as medidas de apoio ao setor de semicondutores.

De acordo com Mantega, o governo também deve anunciar na próxima semana medidas para estimular o setor da construção civil. Pinheiro, no entanto, disse que a lista de produtos que devem receber isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será pequena. "Em princípio, o cimento não vai entrar", informou Pinheiro. O corte do IPI sobre cimento é uma das principais reivindicações do setor. "Vamos evitar materiais que servem para a construção pesada."

Apesar dos sucessivos recordes obtidos pelo governo na arrecadação, Pinheiro disse que isso não pode ser considerado ponto de partida para a análise de novas desonerações. Segundo ele, a discussão deve ser feita com base nas previsões de gastos. O secretário afirmou ainda que não está preocupado com as discussões para novas medidas de desoneração. "Esse assunto é tão recorrente. Se fosse me preocupar, iria para o hospício ou para a praia", ironizou.

Ele também criticou as pressões em favor de novos parcelamentos de débitos tributários, como o recém-criado Refis 3: "É Refis 3, 4, 5 ou 20. Se for mais ou menos igual a Rocky, um lutador, estamos lascados. E viva a inadimplência!".