Título: Uma agenda para o novo Congresso
Autor: Souza, Paulo Renato
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2006, Espaço Aberto, p. A2

Os anos que se avizinham prometem oferecer uma rara oportunidade para a recuperação ética, moral e política do Congresso Nacional, abalado nos últimos quatro anos por uma sucessão de escândalos inéditos em nossa história democrática por sua alta freqüência e pelo volume dos recursos envolvidos. Independentemente da qualidade da sua nova composição, a oportunidade decorre da grande quantidade de temas extremamente relevantes para o futuro do País sobre os quais o Parlamento brasileiro será chamado a deliberar.

A reforma política será um tema prioritário e inescapável. São gritantes os defeitos de nosso sistema eleitoral proporcional, que distancia os representantes de seus eleitores, estimula a impunidade e torna as campanhas eleitorais extremamente caras. Nelas, o debate político de idéias é praticamente inexistente e os candidatos buscam amealhar mais votos do que seus companheiros de partido, transformados em adversários circunstanciais.

O presidente já anunciou que mandará ao Congresso um projeto de reforma que prevê a manutenção do sistema proporcional, agora, porém, através de listas partidárias. A votação proporcional dos partidos indicaria o número de deputados que cada um elegeria e os eleitos seguiriam a ordem nas listas previamente preparadas pelas direções dos partidos políticos. No meu modo de ver, a proposta agrava os dois primeiros problemas: a distância em relação aos eleitores e a impunidade. Para piorar, confere uma autoridade descabida às direções partidárias, que em nosso país carecem de legitimidade para exercer tanto poder. O eventual benefício de baratear as campanhas políticas não compensa a brutal diminuição do poder do povo que esse sistema acarretaria.

Como defendi insistentemente em meus pronunciamentos durante a campanha eleitoral, o voto distrital puro é a solução para os três principais males acima mencionados do nosso sistema eleitoral. Tem o mérito de reforçar a origem do poder na democracia: o povo que elegerá seus representantes imediatos e manterá com eles um relacionamento próximo e freqüente. Sabemos que as dificuldades para sua implantação não são desprezíveis, desde o desenho dos distritos eleitorais até a superposição de distritos nas eleições federais e estaduais, se forem mantidos os atuais números de parlamentares. Por isso mesmo, creio que o País poderia tomar a decisão de adotar o sistema distrital num certo horizonte de tempo, começando nos municípios médios e grandes já nas próximas eleições. Para as Assembléias Legislativas e a Câmara dos Deputados o sistema seria adotado em 2014, oferecendo tempo para a adaptação dos partidos e lideranças políticas.

Na área econômica, duas reformas ocuparão a agenda política: a tributária e a trabalhista, temas difíceis e espinhosos. No primeiro caso, está em jogo o próprio crescimento da economia e a geração de empregos. Aqui os interesses regionais e estaduais tornarão o debate acalorado e o avanço, difícil. Mas nem por isso o Congresso poderá procrastinar por mais tempo definições importantes nessa matéria. No segundo caso, trata-se de reconhecer que mais da metade da população trabalhadora vive na informalidade, não desfrutando proteção social alguma e agravando a crise do sistema previdenciário. No passado, as tentativas de mudanças na legislação trabalhista foram sempre combatidas com sectarismo e sem a objetividade que se requer num tema tão importante e delicado. Uma parte da solução não significa a alteração de direitos, estando vinculada à forma de financiamento dos benefícios sociais. Por outro lado, a inclusão de determinados benefícios para os que estão hoje completamente excluídos não implica necessariamente eliminação dos direitos dos que já estão protegidos.

Na educação, a atuação do Congresso não será menos importante, ainda que o principal assunto do momento - a aprovação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Básico, o Fundeb - já tenha ocorrido. Como já adverti em inúmeras ocasiões em pronunciamentos ou na imprensa, a maneira como o governo propôs o tema - e o Congresso aprovou - criará muitos problemas no financiamento da educação básica, especialmente para o ensino fundamental e a educação infantil. O Congresso deverá acompanhar de forma muito atenta a implantação do novo fundo a fim de evitar problemas graves para nosso sistema educacional e, eventualmente, propor medidas corretivas.

Isso tudo sem contar que o Congresso deverá ser muito mais atuante e fiscalizador do que foi nos anos recentes em relação a temas como a corrupção e a impunidade. Deverá demonstrar não apenas diligência, mas principalmente sua independência em relação ao Poder Executivo. Não é demais lembrar que este governo inaugurou uma forma de relacionamento com o Congresso extremamente danosa para o futuro da democracia em nosso país, pela cooptação financeira de parlamentares. A sociedade brasileira exige mais compostura de ambas as partes e muito mais firmeza do Congresso nestes próximos quatro anos.

No meu retorno a este espaço do Estado, quero expressar meu reconhecimento a todos os leitores que depositaram sua confiança para representá-los no Congresso Nacional. Prometo o melhor de mim para honrá-la. Além disso, como afirmei durante a campanha, quero manter um diálogo permanente com meus eleitores para receber sugestões e críticas através do e-mail abaixo.

Meu livro Visão de Futuro, que reúne os meus principais artigos publicados neste mesmo espaço até o final do ano passado, continua à disposição dos interessados, que podem solicitá-lo sem custo.