Título: Uma chance para a CTNBio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2006, Notas e Informações, p. A3

A tal ponto chegou o bloqueio das decisões da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), o órgão multidisciplinar incumbido de julgar os pedidos de cultivo de transgênicos, que o presidente Lula parece ter entendido que como está não pode continuar. A comissão tem 54 membros, entre titulares e suplentes. Para aprovar uma solicitação de plantio de espécies geneticamente modificadas (GM) é necessária a presença de 2/3 dos titulares e o voto de 2/3 dos presentes. A regra é um maná para os leigos no assunto que integram o colegiado apenas para tolher o seu funcionamento. Eles ainda recorrem à esperteza de aplicar aos trabalhos a velha técnica que consiste em prolongar indefinidamente os procedimentos para vencer os adversários pelo cansaço. E vencem.

Dado esse clima de 'assembléia-geral', como bem definiu o presidente do órgão, o bioquímico Walter Colli, da USP, muitos de seus colegas, que levam a sério ciência e atividade científica, desistem de ir às reuniões por ter mais a fazer do que ouvir o parlapatório ideologizado dos partidários do 'Brasil livre de transgênicos'. Cinicamente, eles negam que estejam obstruindo as votações: estariam apenas zelando pela segurança ambiental e a saúde humana. Se assim fosse, teriam de levar em conta, por uma questão de honestidade intelectual, que a agricultura de base biotecnológica é uma comprovada história de sucesso, tanto que a área plantada com transgênicos no globo não só é crescente, mas inclui um número cada vez maior de países. Mas, no Brasil, vanguarda do agronegócio, apenas um tipo de soja GM e outro de algodão foram liberados. Dez outras variedades modificadas, entre elas de milho, algodão e arroz, estão na imóvel fila da CTNBio.

Informado do descalabro, o presidente Lula teria prometido ao governador de Mato Grosso, Blairo Maggi, o único líder rural que apoiou a sua reeleição, acabar com a paralisia, nem que seja por decreto. Segundo o jornal Valor, o presidente estaria disposto a reduzir o número de membros do colegiado, para dar o merecido peso, no processo decisório, àqueles de seus integrantes que, no julgamento caso a caso dos pedidos, se guiam pelo conhecimento científico e não pelo preconceito ideológico. Um projeto no mesmo sentido estava para ser apresentado na Câmara, prevendo uma CTNBio com 18 titulares, em vez dos atuais 27. Seriam 8 cientistas, 4 especialistas do Executivo e 6 representantes de entidades independentes. Mas, quando se parece divisar a proverbial luz no fim do túnel, o partido da treva emite sinais que desaconselham o otimismo. A sua cartada mais recente - decerto não a última - é a de se valer do Judiciário.

De 1998 a 2004, contestou-se nos tribunais a autoridade da CTNBio (no seu formato original) de dar parecer terminativo sobre a segurança dos transgênicos, exigindo ou dispensando, em cada caso, a realização de estudos de impacto ambiental (EIA-Rima) em solo brasileiro. Os contestadores afinal perderam, mas a economia agrícola brasileira perdeu ainda mais, pelo tempo transcorrido. Eis que, agora, a subprocuradora-geral da República, Sandra Cureau, pretende começar tudo de novo. Ela declarou que irá à Justiça caso a comissão autorize o plantio de novos transgênicos 'apenas' (sic) com base na literatura científica e na experiência de outros países. 'Pode haver até ações criminais', ameaça. Ela acusa os cientistas da CTNBio de ficarem num pedestal e de não querer que a sociedade acompanhe os seus atos - por seu compreensível desconforto diante da presença, nas sessões, de uma representante do Ministério Público que não esconde o seu parti pris contra os transgênicos.

O mais desalentador é que, enquanto no Brasil ainda se combatem os transgênicos, começa no mundo desenvolvido uma revolução na área, capaz de superar o estágio dos organismos geneticamente modificados. Em artigo publicado domingo passado no Estado, o especialista americano Jeremy Rifkin fala da criação de plantas desejáveis, mediante sofisticados cruzamentos de variedades afins, a partir do conhecimento dos seus genomas - a bagagem genética de todas as formas de vida. Isso dispensaria a transferência de genes de espécies que não lhe são aparentadas, como as bactérias da biotecnologia. Tais uniões arranjadas gerariam descendentes que não contaminariam as culturas vizinhas nem afetariam o equilíbrio ecológico da área.