Título: Governadores cobrarão fatura de R$ 38 bi da União para obras
Autor: Cioccari, Vanice e Brandt, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2006, Nacional, p. A4

A pressão dos 27 governadores eleitos e reeleitos para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva viabilize em seu novo mandato mais obras para os Estados custará caro. Levantamento feito com base nas principais reivindicações dos Estados mostra que a fatura pode chegar a R$ 38 bilhões. São obras de aeroportos, rodovias federais, refinarias de petróleo e portos, que compõem uma extensa lista de demandas que estão sendo entregues ao Planalto.

Aliados fundamentais para o projeto do presidente de fazer o Brasil voltar a crescer 5% ao ano, os governadores defendem em coro obras de infra-estrutura que dependem do governo federal. Sua realização é uma das condições para que os Estados ajudem a viabilizar essa retomada do crescimento econômico - as outras são a renegociação das dívidas com a União e uma maior fatia do bolo dos tributos arrecadados no País.

'Fala-se em crescimento a 5%, mas ele não virá sem a participação dos Estados e municípios', adverte o governador reeleito da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB). Ele diz que a situação financeira da Paraíba é insustentável - tal qual a de outros Estados que têm gastos excessivos e falta de caixa para investimentos. 'Em 2006 usamos 17% da receita para pagar a dívida com a União - R$ 350 milhões. E para investir, só tivemos R$ 130 milhões no ano', explica Cunha Lima.

O levantamento feito pelo Estado não inclui os bilhões de reais de custo de uma nova renegociação da dívida e de uma divisão mais equilibrada da arrecadação dos tributos - atualmente 80% dessa receita fica com a União e 20% com Estados e municípios. Nem as centenas de outras obras já programadas, mas que ainda não saíram do papel. A soma é apenas dos valores dos projetos que os governadores enumeraram como prioridade e considera o investimento integral de cada uma delas.

As maiores e mais onerosas obras listadas são velhas demandas, algumas com investimentos já em andamento, que atendem a mais de uma unidade da Federação. É o caso da Transnordestina, obra ferroviária que interessa a nove governos do Nordeste - iniciada em 1990, acabou paralisada dois anos depois e foi retomada em junho deste ano. Com uma extensão de 1,8 mil quilômetros, a ferrovia ligará o sudeste do Piauí, o sul do Maranhão e o oeste da Bahia aos portos de Pecém (CE) e Suape (PE) - importante ramal de escoamento da produção agrícola da região.

O custo da obra é de R$ 4,5 bilhões. Como boa parte das grandes obras, ela é tocada pela iniciativa privada, mas com a maior parte dos recursos vindos de órgãos de financiamento como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e o Fundo de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE).

Outras duas ferrovias estão no pacote de reivindicações - a Norte-Sul, atravessando o País, e o Ferroanel, em São Paulo. A Norte-Sul prevê um investimento total de R$ 3,8 bilhões em 1,9 mil quilômetros para integrar as Regiões Norte e Nordeste ao Sul e Sudeste do País. O Ferroanel, orçado em R$ 400 milhões, ligará o interior de São Paulo e parte de Minas aos portos de Santos e Sepetiba.

A transposição do Rio São Francisco é outra obra estratégica - ainda que polêmica. O projeto prevê a transposição das águas para rios do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e de Pernambuco ao custo de R$ 4,5 bilhões. A obra tinha sido definida como o principal investimento do primeiro mandato de Lula.

A recuperação de rodovias federais também é considerada essencial para grande parte dos governadores. Dos 27 ouvidos, 16 apontaram como prioridades obras de pavimentação, duplicação e recuperação de estradas. A mais conhecida é a BR-116, um corredor de 4,5 mil quilômetros ligando o Sul e o Norte do Brasil, com boa parte já sob concessão. Há porém trechos ainda que precisam ser pavimentados pela União, como no Ceará.

O dinheiro para essas obras não sairá integralmente dos cofres da União. Boa parte será feita por parceria público-privada (as PPPs).

Além dos pedidos de obras, os governadores têm debatido outra questão estratégica para os Estados: a renegociação das dívidas com a União. Alinhados e não-alinhados politicamente ao presidente Lula concordam que é preciso afrouxar a corda dos cofres estaduais para que os investimentos sejam retomados. 'Se não desobstruírem a questão do alto endividamento dos Estados, não haverá crescimento algum no País', ressalta o governador de Mato Grosso, Blairo Maggi (sem partido).

Sobram propostas nesse sentido. Maggi, por exemplo, sugeriu que as unidades da Federação mais endividadas sejam beneficiados com a suspensão da dívida por um período de dois anos, com a condição de que toda a verba economizada seja investida em obras. Cunha Lima, no encontro que teve com Lula, propôs que 40% do valor que a Paraíba tem de pagar à União pela dívida fique em um fundo vinculado para aplicação em investimentos.

A governadora eleita do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius (PSDB), é uma das lideranças interessadas nessa frente. O Estado é o que tem a situação mais complicada entre as 27 unidades da Federação, pelo alto volume de sua dívida.

O governador eleito de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli (PMDB), foi um dos primeiros a levantar a bandeira da renegociação: 'Se os Estados fossem empresas já teriam quebrado.' O Estado deve R$ 6,173 bilhões.

Tomando como base o alto custo das obras demandadas e o peso econômico da renúncia de recursos proposta, pode-se concluir que o cumprimento integral por parte de Lula dos pedidos feitos pelos governadores vai na contramão da necessidade, já apontada pela equipe econômica, de corte dos gastos federais para atingir o almejado crescimento de 5% ao ano.