Título: Na velha Volks do ABC, o futuro
Autor: Silva, Cleide
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2006, Economia, p. B12

Tachada de improdutiva e ultrapassada, a fábrica da Volkswagen de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, está instalando uma das mais avançadas tecnologias no setor, chamada de fábrica digital. O sistema permite a simulação de todo o processo produtivo, da estamparia de peças à montagem final, antes que o carro vá para a linha de montagem. Pela tela de um computador, a empresa pode aprimorar o produto e diminuir a possibilidade de defeitos.

Com a fábrica digital, a Volks do ABC vai se equiparar à matriz alemã em tecnologia virtual. A diferença é que na Alemanha o sistema é usado em todos os produtos. No Brasil, será inaugurado no desenvolvimento e produção dos dois novos veículos que a montadora promete para 2008 e 2009. E vai conviver, por enquanto, com a antiquada linha da cinqüentona Kombi.

O sistema será adotado também na fábrica de Taubaté e, futuramente, na de São José dos Pinhais, no Paraná. Outras montadoras, como General Motors, Ford e Fiat, operam com avançadas tecnologias no desenvolvimento de veículos e deixam cada vez mais no passado a imagem da linha de produção cheia de óleo e graxa.

'É uma fábrica imaginária onde podemos ver na tela o que vamos ver no futuro no chão de fábrica', diz Frank Sowade, diretor de Engenharia de Manufatura da Volkswagen.

Segundo ele, várias etapas da produção já são feitas de forma virtual desde o fim dos anos 90, mas o novo programa vai integrar todo o processo produtivo, desde a preparação da chapa de aço que se transformará em uma porta ou pára-choque (estamparia), passando pela armação, que junta todos os componentes, pela pintura e a montagem final, quando o carro fica pronto.

As vantagens, diz Sowade, são o desenvolvimento de novos veículos em menor intervalo de tempo, a eliminação de defeitos e melhor qualidade do produto, uma necessidade cada vez mais urgente no competitivo mundo automobilístico. Segundo ele, o processo não vai eliminar a necessidade de recalls (convocação das empresas para corrigir defeitos de fabricação), mas deve diminuir o número de ocorrências.

A unidade da Anchieta, a primeira da Volkswagen a ter uma fábrica digital no Brasil, chegou a ser ameaçada de fechamento no início deste ano por causa de sua baixa competitividade. Um processo de reestruturação negociado com os trabalhadores resultou em um programa de cortes de 3,6 mil funcionários até 2008. Em contrapartida, a empresa anunciou investimentos de R$ 2,5 bilhões para novos os produtos, provavelmente um utilitário esportivo e um sedã, que terão a produção compartilhada com a unidade de Taubaté.

A estréia da fábrica digital, já em processo de implantação, ocorre com esses dois novos veículos. Paralelamente, a produção de modelos mais antigos, como a Kombi, seguirão o processo tradicional, mais artesanal e sem uso de robôs, equipamentos que terão a presença ampliada na nova linha, que deve funcionar onde hoje são produzidos Fox e Polo.

Quando a fábrica digital estiver em pleno funcionamento haverá ganhos de produtividade e qualidade e, certamente, financeiros que serão repassados ao consumidor final, afirma Sandra Zimmermann, analista de processos da Volks.

3ª DIMENSÃO NA GM

A General Motors do Brasil também tem aperfeiçoado o uso da realidade virtual como ferramenta na área de desenvolvimento de projetos. Em maio, o grupo inaugurou na fábrica de São Caetano do Sul (SP) uma sala especial, que permite a visualização de carros e peças em três dimensões.

'Podemos ver o veículo em todos os ângulos, no tamanho real, por dentro e por fora', explica Pedro Manuchakian, vice-presidente de Engenharia da empresa para a América Latina, África e Oriente Médio. 'Defeitos podem ser percebidos e corrigidos antes de dar prosseguimento ao projeto.'

O sistema permite encurtar o prazo de lançamento de novos modelos, outra exigência na competitiva corrida da indústria mundial. O Celta, compacto lançado em 2000, precisou de 24 meses para o desenvolvimento, da liberação da superfície de estilo até o início da produção. Seu derivado sedã, o Prisma, lançado em outubro, foi feito em 18 meses. 'A tendência é esse prazo cair para um ano', prevê Manuchakian.

O executivo acredita ainda que, no futuro, não serão necessários protótipos de carros, construídos para diferentes testes antes do início da produção. 'O automóvel vai sair do virtual para a ferramentaria final e a produção.' Hoje, o número de protótipos, que chegam a custar US$ 300 mil cada, já diminuiu.

Antes do projeto digitalizado, eram feitos pelo menos três protótipos até a conclusão do carro final. Agora é necessário apenas um para validar os testes do computador. Também eram feitas aproximadamente 50 cópias do protótipo, para serem destruídas em testes reais, número atualmente reduzido à metade.

Todo o ganho de eficiência no desenvolvimento e na produção de um carro é repassado ao consumidor, atestam as montadoras. 'Quem faz mais rápido, vende mais rápido e ganha mercado', acrescenta Manuchakian.

'O Brasil já tem várias ilhas de excelência na produção de veículos e autopeças e combina recursos de automação e mão-de-obra competitiva', atesta o presidente da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE), Gábor Déak, também presidente da Delphi.