Título: Dia de decisão: chavista ou magnata
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/11/2006, Internacional, p. A26

Há apenas duas certezas sobre o segundo turno das eleições presidenciais de hoje no Equador. A primeira é a de que o resultado será apertado. A segunda: qualquer que seja o vencedor - o nacionalista Rafael Correa ou o homem mais rico do país, Álvaro Noboa - o Equador não conseguirá romper imediatamente o ciclo de instabilidade que marca sua história recente. Nos últimos dez anos, nenhum dos três presidente eleitos conseguiu chegar ao fim do mandato.

Se Correa -um admirador do presidente venezuelano, Hugo Chávez - vencer, enfrentará um Congresso que não terá um único deputado de seu partido Aliança País (AP), que boicotou a eleição legislativa realizada paralelamente ao primeiro turno presidencial, em 15 de outubro.

Correa e a AP defendem a convocação de uma Assembléia Constituinte que forje uma nova ordem institucional, que ponha fim ao poder do que qualificam de 'partidocracia'.

Na hipótese de uma vitória de Noboa, as relações com o Legislativo seriam mais simples - seu Renovador Institucional Ação Nacional (Prian) obteve 28 das 100 cadeiras do Congresso de câmara única.

Uma possível aliança com a Sociedade Patriótica, que elegeu 24 deputados em outubro, lhe garantiria uma maioria confortável. Mas o Judiciário se veria numa situação complicada: das 120 empresas que Noboa possui no Equador e no exterior, pelo menos 20 foram indiciadas por supostos delitos de fraude tributária e seus processos tramitam em diferentes instâncias da Justiça.

Cerca de 9 milhões de equatorianos estão inscritos para a eleição de hoje. De acordo com a última pesquisa, do instituto Cedatos-Gallup, divulgada no exterior ontem - a lei eleitoral não permite a publicação de pesquisas às vésperas das eleições - Correa tem 54% dos votos válidos, enquanto Noboa tem 46%.

Mas a mesma sondagem revela um grande número de eleitores indecisos, 17%, que torna difícil qualquer prognóstico.

Noboa saiu na frente no primeiro turno, obtendo 26,8% dos votos. Correa teve 22,8%. O candidato do Prian chegou a ter 15 pontos de vantagem nas primeiras pesquisas para o segundo turno, mas viu a diferença virar pó, em parte por causa da estratégia de seu adversário de moderar seu discurso, afastar-se de Chávez e tentar deslocar-se para o centro político.

PESQUISAS PRÓPRIAS

Assessores de ambos os partidos asseguraram ao Estado ter pesquisas próprias que garantem a vitória de seus respectivos candidatos. Correa insiste na tese de que só uma fraude eleitoral poderá evitar seu triunfo - num sinal claro de que não aceitará uma derrota e abrindo a perspectiva de uma nova convulsão social, no caso de vitória de Noboa.

Temendo uma onda de protestos e um impasse eleitoral semelhante à da eleição presidencial mexicana de julho - na qual o centro-esquerdista Andrés Manuel López Obrador, também apoiado por Chávez, não aceitou a derrota para o governista Felipe Calderón e liderou protestos que paralisaram a Cidade do México por semanas -, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) do Equador fez um apelo às emissoras de TV para que não divulguem resultados preliminares, caso a diferença entre os dois candidatos seja inferior a 5 pontos porcentuais.

A missão de observação eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA), liderada pelo ex-chanceler argentino Rafael Bielsa, ratificou o pedido feito pelo TSE às emissoras. Se a diferença apertada não permitir a divulgação de pesquisas de boca-de-urna, os equatorianos ficarão sem ter nenhuma idéia sobre o resultado da eleição pelo menos até as 22 horas (1 hora da madrugada de amanhã em Brasília), cinco horas depois do fechamento das urnas, quando o tribunal prevê o anúncio do primeiro boletim oficial da apuração.

DITADURA COMUNISTA

Tanto Correa quanto Noboa votarão na cidade portuária de Guayaquil, a segunda do Equador. Durante toda a campanha, Noboa explorou os vínculos de seu adversário com Chávez, acusando-o de planejar a instauração de uma ditadura comunista no Equador.

Correa, por seu lado, acusou Noboa de comprar votos e de tentar frear a chegada da AP ao poder para manter os privilégios do que chama de 'oligarquia corrupta'.

A lei equatoriana não impede que candidatos distribuam brindes aos eleitores, e a veiculação da propaganda eleitoral na TV e no rádio é paga - e permitida desde que os partidos não excedam o limite de gastos de aproximadamente US$ 650 mil, estabelecido pelo TSE. Os dois partidos, no entanto, estouraram esse limite e tiveram as contas de campanha congeladas pela Justiça.

Ao longo da campanha, Noboa distribuiu cadeiras de rodas e camisetas. Por meio de uma fundação instituída por ele, liberou milhares de pedidos de microcréditos - de até US$ 1 mil - para trabalhadores autônomos e microempresários. Correa denunciou o abuso do poder econômico de seu adversário no TSE, mas as denúncias foram consideradas improcedentes.

MANDATOS INCOMPLETOS Ao longo dos últimos dez anos, nada menos do que três presidentes eleitos do Equador não puderam terminar de cumprir seu mandato:

Abdala Bucaram (1996) - Deposto em 1997 pelo Congresso, depois de ser declarado 'mentalmente incapaz' de exercer o cargo de presidente.

Jamil Mahuad (1998) - Deposto no ano 2000, acusado de corrupção e em meio a uma grave crise econômica, por uma rebelião liderada pelo movimento indígena e por militares.

Lúcio Gutiérrez (2003) - Teve o cargo declarado vago pelo Congresso em 2005, apesar de nunca ter abandonado a sede do governo até ser removido por militares e partir para o exílio no Brasil.