Título: A revolução da agroenergia
Autor: Jank, Marcos Sawaya
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2006, Espaço Aberto, p. A2

Definitivamente, a era do petróleo barato chegou ao fim. Principal fonte de energia, sobretudo nos transportes, o consumo cresce bastante não só nos EUA, mas também nos emergentes, China e Índia, ao passo que a produção convencional, de baixo custo, se encontra em forte declínio. A maioria dos especialistas acredita que o preço do petróleo já mudou de patamar, devendo doravante situar-se acima dos US$ 40 por barril. Neste contexto, cresce a corrida global por substitutos viáveis. Um dos campos mais férteis é a agroenergia, principalmente etanol (álcool) e biodiesel, que hoje representam apenas 1,1% da produção mundial de combustíveis. As perguntas do momento são: até onde a agroenergia conseguirá substituir o petróleo? Quais são os seus impactos potenciais na produção de alimentos? Quais as vantagens e desvantagens - econômicas, energéticas, ambientais e sociais - das diferentes commodities que podem ser utilizadas para produzir biocombustíveis? O Brasil saiu na frente nesta corrida e hoje é apontado como modelo a ser seguido. A energia renovável representa 45% da nossa matriz energética, ante 14% no mundo e apenas 6% nos países da OCDE. Nosso programa de etanol carburante nasceu nos anos 1970 com apoio governamental. O enorme crescimento da produtividade possibilitou a eliminação dos subsídios à produção, caso ainda único no mundo. Desde 2003, o País inovou mais uma vez com os veículos flexfuel, que hoje já representam 80% das vendas de veículos leves, nos quais o consumidor pode optar por usar gasolina e/ou etanol, com base nos seus preços relativos na bomba. Além disso, a cana-de-açúcar revelou-se a cultura mais eficiente para produzir açúcar e etanol, seja em produtividade por área, custo de produção, balanço energético ou capacidade de gerar empregos. O Brasil é o segundo maior produtor (16 bilhões de litros por ano, bem próximo dos EUA) e o primeiro exportador (3,1 bilhões de litros em 2006) de etanol do mundo. Se o preço do petróleo se mantiver acima dos US$ 40/barril, tudo indica que haverá um break-through tecnológico em biocombustíveis, sendo que a nova rota tecnológica de produção deverá basear-se em material ligno-celulósico. Aqui, novamente a cana-de-açúcar deverá colocar-se como a planta mais competitiva, já que ela produz 2 kg de bagaço e palha para cada quilo de sacarose, o que permitiria aumentar a produtividade do álcool em pelo menos 50%. Se o atual obscurantismo contra a biotecnologia diminuir, é possível aumentar ainda mais a produtividade da cana. Variedades produzidas por biotecnologia já estão aguardando liberação pelo órgão regulador. A experiência madura do etanol está sendo agora seguida pelo biodiesel à base de plantas oleaginosas. O governo brasileiro estipulou a meta de misturar 5% do produto no diesel em 2013, o que representará 2,5 bilhões de litros, ou 75% do consumo brasileiro de óleos vegetais. O desafio não é trivial e equívocos estratégicos poderão custar caro. O biodiesel depende de apoio governamental para crescer, principalmente na fase agrícola. O governo vem trabalhando com a romântica idéia de que o produto virá de pequenos produtores de mamona do Nordeste do País. Desafios tecnológicos, economias de escala, infra-estrutura e o alto custo e a baixa aptidão da mamona para produzir biodiesel já estão dificultando o sonho de Lula. Pelo menos no curto prazo, a única solução factível é fazer biodiesel a partir da soja, cultura que representa 94% da produção brasileira de oleaginosas e que também agrega milhares de pequenos produtores. Enquanto isso, os EUA vivem uma verdadeira febre de biocombustíveis, nascida de pressões ambientais (principalmente redução da emissão de gases) e dos produtores de milho por subsídios e das crescentes preocupações com segurança energética, já que 64% do petróleo processado nos EUA é importado. Japão, Índia, China, Canadá e Tailândia também estão implementando programas ambiciosos de etanol. União Européia, China, Índia, Malásia e Indonésia investem em biodiesel. Ocorre que o mercado de agroenergia ainda está nascendo no mundo e sua consolidação depende do desenvolvimento de programas de produção e consumo em diversos países, para evitar a dependência de dois ou três fornecedores. Uma das principais condições para o desenvolvimento harmônico e sustentável da agroenergia é a intensa colaboração dos principais governos e empresários envolvidos. Voltarei ao tema num próximo artigo. Ainda não se conhecem os impactos de longo prazo dos biocombustíveis na matriz de produção agropecuária brasileira. Neste momento, a cana-de-açúcar ocupa 5,8 milhões de hectares, área quatro vezes menor que a da soja e 35 vezes menor que a de pastagens. A cana deve crescer bastante nas áreas destas duas culturas, mas isso não significa necessariamente uma queda na produção de soja, carne ou leite, já que temos boa tecnologia para intensificar estas atividades. O desenvolvimento do biodiesel pode encarecer o mercado de óleos vegetais, mas baratear o de farelos protéicos, co-produto da moagem de oleaginosas, reduzindo o custo de produção de frangos e suínos. Nos próximos dois anos, o Icone vai desenvolver estudos detalhados de competitividade e oferta de longo prazo das principais commodities agroenergéticas, no Brasil e no mundo. Apesar da instabilidade da política pública e dos enormes desafios tecnológicos e organizacionais em questão, o Brasil conseguiu ingressar na era da agroenergia na frente do mundo. O desafio atual é avaliar corretamente a crise estrutural que vai atingir os combustíveis fósseis nas próximas décadas e não perder esta fantástica oportunidade para consolidar um sistema integrado global de produção e comercialização de combustíveis renováveis. As palavras-chave para completar esta revolução são ¿investimento¿ e ¿organização¿!