Título: Progressos na luta contra a aids
Autor: Amato Neto, Vicente e Pasternak, Jacyr
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2006, Espaço Aberto, p. A2

Poucas doenças mereceram tanta investigação científica como a causada pelo HIV. Desde sua descoberta, em 1981, aprendemos muito sobre a infecção e mais ainda sobre nosso sistema de defesa. Os últimos anos trouxeram novos medicamentos nas classes já conhecidas - inibidores nucleosídicos ou não-nucleosídicos da transcriptase reversa e inibidores da protease. Os inibidores de fusão chegaram à clínica - um está licenciado e outro aguarda aprovação pela FDA. Os inibidores da integrase já têm um representante em testes terapêuticos e a impressão é de que se trata de droga tão útil como os inibidores da protease. Finalmente, há uma nova categoria em experimentação: os inibidores da organização final do vírus.

Com tudo isso conseguimos manter pacientes sem progressão da infecção, desde que tomem os remédios adequadamente, e o maior problema ainda é a complacência do doente à medicação. Foram desenvolvidos produtos associados numa única pílula, tornando a complacência muito mais fácil - com sorte e sendo sensível às drogas deste conteúdo, o infectado poderá usar apenas duas pílulas por dia; até há pouco eram necessárias 10, 15 ou 20.

A questão é se juntando diferentes tipos de medicamentos poderíamos curar parte dos pacientes. Mas só saberemos quando muitos forem tratados com várias classes de antivirais associados. Hoje, mesmo os que têm indetectável a carga viral não estão curados - é só suspender os fármacos que o vírus volta a aparecer no sangue. Postulava-se a existência de santuários que protegeriam o vírus das drogas. Pode ser que existam, mas já há outra hipótese para a aparente resistência. Quando o HIV reaparece após a interrupção de tratamento bem-sucedido, não mostra resistência aos antivirais, sugerindo que andou por algum lugar onde eles não penetram. O problema é que o vírus, uma vez integrado ao genoma humano, é inacessível a medicamentos; esta forma, denominada pró-vírus, fica escondida no genoma e, quando a célula em que penetrou se ativa, o vírus volta a replicar. Esta pode ser a explicação para a não-resistência a drogas aliada à persistência do vírus. O HIV livre é inativado, mas continua nas células que o têm no DNA, e quando os medicamentos são suprimidos pode replicar, ativando-se o vírus, que se divide e volta a circular. Uma esperança para o uso clínico dos inibidores de integrase é termos algo que impeça a integração do genoma viral ao humano, brecando o ciclo. Como atingir as células que carregam o HIV no DNA ainda não sabemos.

Os problemas de logística para levar o progresso científico ao nível clínico e populacional são complicados e, se estão sendo em parte resolvidos, tememos que a longo prazo nem sempre sejam solúveis. Os recentes recursos anti-HIV são mais caros que os antigos e a resistência acaba tornando necessário recorrer a novos. Como garantir recursos financeiros para manter o paradigma de que nós, brasileiros, nos orgulhamos: o de que todo paciente que precise terá seu tratamento garantido (incluindo acompanhamento clínico e laboratorial)? Hoje o programa é custo-efetivo, por dois motivos: evita internações hospitalares e permite que os tratados vivam na comunidade e em atividade, colaborando para o crescimento econômico do País; e a queda da carga viral previne novas infecções.

No futuro, a ser imperioso fornecer medicamentos muito caros, teremos de dar um jeito de pagá-los. Não é real dizer que vamos produzi-los aqui e quebrar patentes. Podemos até quebrar algumas. Mas vamos poder elaborar produtos nos nossos laboratórios privados ou públicos? Algumas moléculas desenvolvidas são de síntese difícil e, ainda que elas estejam divulgadas, as fases de preparo não estarão, o que obrigaria interessados nas obtenções, sem pagar royalties, a redescobrir todo o processo. Não é impossível. Mas contamos com pessoal e tecnologia preparados?

Problemas de logística mais simples, como levar remédios a todos os que deles necessitam, são razoavelmente resolvidos - há faltas ocasionais, prejudicando os doentes, induzidas pelos habituais percalços ligados à administração pública, com suas regras bizantinas de licitação. Sem falar na dificuldade de fazer qualquer orçamento organizado ou previsão no sistema público.

Houve progresso quanto à profilaxia da aids. Educação sexual entrou nos currículos e em avaliação recente ficou claro que a maioria dos jovens que têm recursos mínimos usa preservativo. Preocupa é que em envolvimentos mais duradouros os rapazes até topariam seguir usando camisinha, mas as moças progressivamente passam a não exigir e aí todo mundo relaxa. Naturalmente, a profilaxia continua não sendo usada em populações com difícil acesso à educação, como meninos e meninas de rua, e usuários de drogas injetáveis.

Nota-se também uma redução acentuada dos óbitos e parece estar havendo estabilização na disseminação da infecção. Neste ponto temos dados conflitantes e estudos de pesquisadores da Unifesp são muito preocupantes, porquanto sugerem que o número de novos casos se mantém constante, indicando que a epidemia continua a se espalhar.

No mundo o panorama de estabilização tem lugar nos EUA e na Europa. Alguns países da África parecem ter progredido, mas partem de números já muito altos. O grande sucesso é o Senegal, que permanece com incidência baixa com base exclusivamente na educação em massa. A África do Sul vai adotar sistema de atendimento semelhante ao nosso, se bem que depois do desastre consumado - 12% ou mais da população infectada. Já na Índia, a expansão da infecção continua.

A grande solução seria uma vacina e continuamos sem ter nenhuma eficaz ou que permita preconização para futuro próximo. As últimas tentativas vacinais na espécie humana não foram animadoras. Mais tranqüilizador é o desenvolvimento de microbicidas vaginais, no que a mulher prescinde da colaboração do homem, evitando que seja vitimada por parceiro sem consciência.

Em resumo, estamos mais otimistas no sentido de esperamos melhores tratamentos e, provavelmente, situação mais produtiva na profilaxia da infecção pelo HIV. Mas como seria bom se tivéssemos uma vacina..