Título: Cúpula fracassa e Lula pede 'outra globalização'
Autor: Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2006, Nacional, p. A6

Sob o impacto do fracasso da Cúpula África-América do Sul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou ontem sua sexta viagem à África com críticas sutis a presidentes sul-americanos, à oposição e à imprensa, por não valorizarem a política brasileira de aproximação com o continente africano e o mundo árabe, assim como as pretensões de buscar mais espaço na Organização das Nações Unidas (ONU) e na Organização Mundial do Comércio (OMC). 'Se quisermos outra globalização, menos desigual e solidária, precisamos de parcerias estratégicas que unam os países em desenvolvimento', afirmou.

Na cúpula, que reuniu cerca de 25 chefes de Estado de 66 países dos dois continentes, Lula argumentou que nações pobres não precisam de 'intermediários', reforçou a necessidade de reforma do Conselho de Segurança da ONU e reclamou de críticas de colegas a encontros desse tipo. 'Sei que muitas vezes as pessoas dizem que a reunião não aprovou nada e não decidiu grandes coisas para resolver os problemas de cada país', afirmou. 'Mas quem faz política sabe que só o fato de reunirmos aqui figuras importantes demonstra que o século 21 será muito melhor.'

Faltaram à cúpula os presidentes da Argentina, Nestor Kirchner, do Chile, Michelle Bachelet, do Uruguai, Tabaré Vázquez, e da Venezuela, Hugo Chávez. Kirchner nunca escondeu a impaciência com tais eventos. Já Bachelet mantém a política externa do antecessor, Ricardo Lagos, de buscar maior aproximação com os Estados Unidos e países do Pacífico. Mesmo com a presença de menos da metade dos chefes de Estado da África, participaram do encontro presidentes influentes como o argelino, Abdelaziz Bouteflika, e o sul-africano, Thabo Mbeki.

KADAFI

Lula tomou café durante 40 minutos com o ditador líbio, Muamar Kadafi, que chegou 55 minutos atrasado e com forte esquema de segurança. Foi o segundo encontro dos dois presidentes, o primeiro desde o fim do embargo dos Estados Unidos à Líbia. Kadafi está no poder desde 1969.

Os representantes dos 54 países africanos e dos 12 da América do Sul aprovaram texto genérico em que defendem mudanças na estrutura do Conselho da ONU. Nem todos concordam com a pretensão do Brasil de ocupar assento permanente no órgão. 'O Conselho de Segurança reflete uma ordem mundial que não existe mais', disse Lula aos delegados do encontro. 'Sua ampliação, com novos assentos, permanentes ou não, é a chave para torná-lo mais legítimo e democrático.'

Ele também reclamou do protecionismo europeu contra produtos agrícolas de países pobres e defendeu a ampliação do comércio de bens e serviços de nações em desenvolvimento. 'As negociações na OMC estão paralisadas', queixou-se o presidente. 'Isso afeta terrivelmente a todos nós.'

Mais tarde, em entrevista, Lula relatou que, durante o café da manhã que tiveram juntos, conversou com Muamar Kadafi sobre as pretensões da Petrobrás de produzir petróleo na Líbia. Lula também falou com o presidente líbio sobre o interesse de construtoras brasileiras - como a Andrade Gutierrez e a Odebrecht - em obras de reconstrução de Trípoli, cidade que foi atacada pelos Estados Unidos nos anos 1980.

O presidente brasileiro reclamou do tratamento que recebeu ao visitar a Líbia em dezembro de 2003. À época, o petista foi criticado por ir até a tenda de Kadafi, que comanda uma ditadura e é acusado de terrorismo. Ontem, Lula fez questão de lembrar que o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, esteve na Líbia em março passado. 'Às vezes nem é compreendida uma visita de um presidente à Líbia, mas, quando a Inglaterra visita, as pessoas acham o máximo', disse. 'Todo mundo sabe que a Líbia está em processo de democratização.'

ESTRELA

Depois do pronunciamento do brasileiro discursaram o próprio Kadafi e o presidente da Bolívia, Evo Morales. Uma das estrelas do encontro, Evo recebeu elogios do ditador da Líbia por fazer a 'revolução dos oprimidos'. Já o boliviano fez um discurso esquerdista, ressaltando que os países em desenvolvimento devem lutar para 'salvar a mãe Terra' e ajudar os menos favorecidos. 'É difícil defender os pobres, os marginais e os oprimidos', afirmou. Ele negou que o seu governo esteja se apropriando de empresas petrolíferas do exterior.

Lula evitou polemizar a respeito da decisão de Evo de expulsar fazendeiros brasileiros e de exigir novos contratos com a Petrobrás. 'É normal que se tenha uma política justa e os países tenham direito a recursos do seu solo', declarou o presidente brasileiro.