Título: Brasil se abstém na ONU para não contrariar Sudão
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2006, Nacional, p. A7

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazia sua visita à África, o Itamaraty preferiu se abster nesta semana na votação na Organização das Nações Unidas de uma solução proposta pelos países ocidentais para a crise humanitária na região de Darfur, no Sudão, considerada pela ONU a mais grave do mundo. Nos últimos dias, o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas vem debatendo o assunto. Europeus e outros países ocidentais propuseram uma resolução em que se pedia que o Sudão investigasse e punisse autoridades dentro do governo responsáveis pelos massacres.

Mas com o apoio dos países árabes, africanos e com a abstenção do Brasil, o Sudão conseguiu evitar a aprovação da proposta. Zâmbia, Filipinas e Ilhas Maurício também se abstiveram.

O conflito começou em fevereiro de 2003 entre população de etnia africana do país e governo muçulmano do Sudão. Cerca de 2,5 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar suas casas temendo as ações do Janjaweed, milícia conhecida por sua brutalidade contra os rebeldes em Darfur. O governo do Sudão sempre negou que esteja apoiando a milícia. Mas peritos da ONU acusam os representantes de Cartum de dar um apoio velado e de não punir os massacres.

O Brasil preferiu aprovar uma resolução proposta pelos próprios governos africanos, que pede o fim da crise, mas deixa a questão para ser resolvida entre os países do continente. A resolução ainda não aponta qualquer culpa do presidente do Sudão, Omar al-Bashir, e elogia o governo por colaborar com a ONU.

Diplomatas do Sudão não escondiam a satisfação em relação à posição brasileira, lembrando que a abstenção era 'reflexo da política do governo de Lula em relação à África'. 'O Brasil tem uma postura muito positiva', elogiou um funcionário de alto escalão do governo de Cartum.

Argentina e Uruguai, sócios do Brasil no Mercosul, apoiaram resolução da Europa pedindo investigações sobre o envolvimento do governo. 'Está difícil conseguir que o Brasil critique a África', afirmou um experiente negociador argentino na ONU.

O Brasil, porém, se aliou a 28 países e aceitou a proposta dos europeus de promover uma reunião especial na ONU sobre o assunto de Darfur, que deve ocorrer em 15 dias. 'Não temos problema com a realização de uma reunião. Vamos usá-la para esclarecer tudo', afirmou o diplomata de Cartum.

VISITA

Em um esforço para convencer alguns países considerados estratégicos, o Sudão convidou um diplomata brasileiro para viajar até Darfur, visita confirmada pela missão do Brasil na ONU, há duas semanas. 'O Brasil foi convidado por representar a América Latina e para ver com seus próprios olhos que a situação não é a que mostra a mídia. Há uma campanha internacional contra o Sudão e tudo não passa de uma grande mentira', afirmou o chefe da missão do Sudão na ONU, que pediu para não ter seu nome revelado.

Na ONU, as autoridades continuam chocadas com a situação em Darfur. O secretário-geral, Kofi Annan, pediu que os países formassem uma aliança para tratar da crise 'baseados em princípios' e não se dividissem entre Norte e Sul. 'O governo do Sudão e as milícias alinhadas a ele continuam a ser responsáveis pelas mais sérias violações de direitos humanos', disse a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Louis Arbour.