Título: Tropas de paz são acusadas de abuso sexual
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/12/2006, Internacional, p. A19

Soldados das missões de paz da ONU no Haiti - onde o comando está nas mãos de militares brasileiros - e na Libéria estão envolvidos em casos de abuso sexual contra menores. A denúncia é da rede britânica BBC, em reportagem publicada ontem em seu site.

Meninas entrevistadas nos dois países relataram ter sido estupradas ou ter mantido encontros sexuais freqüentes com soldados da ONU em troca de dinheiro ou comida.

Entre as denúncias está a do estupro de uma adolescente de 14 anos por um militar brasileiro dentro de uma base das Nações Unidas no Haiti. O caso, ocorrido há dois anos, foi investigado pela organização, mas acabou arquivado por falta de provas. O militar acusado retornou para o Brasil.

Não é a primeira vez que denúncias são feitas contra militares brasileiros no Haiti. Em novembro do ano passado, grupos de defesa dos direitos humanos na região apresentaram uma acusação formal na Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), segundo a qual as tropas da ONU teriam matado civis e se recusado a agir para evitar mortes causadas pela polícia local.

Outra garota de 14 anos entrevistada pela BBC disse ter sofrido abusos sexuais por soldados da ONU junto ao portão do palácio presidencial, em Porto Príncipe. O Brasil está à frente da missão de paz no Haiti desde 2004. Por isso, mesmo que os crimes tenham sido cometidos por militares de outros países, são de sua responsabilidade.

Na Libéria, uma menina afirmou ter sido atacada por militares da organização há apenas duas semanas.

Em entrevista à BBC, Jane Holl, secretária-assistente da ONU para Missões de Paz, admitiu que a questão é endêmica. 'Temos tido problemas desse tipo, relacionados à exploração de populações vulneráveis, desde o início das missões de paz ', disse Holl, concluindo que esse é um 'problema em potencial em cada uma das missões'.

No ano passado, as acusações de exploração sexual de crianças e adolescentes pelas tropas de paz no Congo ajudaram a desatar uma crise na organização. As meninas aliciadas pelos soldados, algumas com menos de 12 anos, ficaram conhecidas em suas comunidades como 'as garotas de US$ 1 da ONU'. Na época, o secretário-geral Kofi Annan prometeu assegurar 'a responsabilização dos envolvidos'.

Segundo dados da ONU, 316 integrantes das forças de paz foram ou estão sendo investigados por graves problemas de conduta - metade deles no Congo. Cerca de 150 militares tiveram de ser repatriados e 18 civis foram demitidos.

Antes, a credibilidade da organização já havia sido abalada pelo escândalo provocado por denúncias de corrupção no Programa Petróleo por Alimentos no Iraque, ainda durante a ditadura de Saddam Hussein.