Título: Governo quer Eletrobrás do passado
Autor: Abreu, Beatriz
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/11/2006, Economia, p. B4

Há um projeto em gestação no governo que pretende reeditar a Eletrobrás dos velhos tempos, transformando-a numa megainvestidora do setor no País e no exterior. Segundo informou uma fonte do governo, a Casa Civil analisa um esboço de projeto de lei que removerá amarras administrativas da estatal e a transformará numa multinacional, capaz de investir no exterior. É uma proposta que vai na direção da encomenda feita anteontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos ministros da área: transformar a Eletrobrás numa 'Petrobrás do setor elétrico'.

A Eletrobrás, ao contrário de sua irmã do setor petrolífero, não pode captar recursos em mercado emitindo papéis. Tampouco pode fazer investimentos no exterior, como faz a Petrobrás. Com fôlego limitado, a Eletrobrás tem menor poder de fogo para liderar o desenvolvimento do setor.

Hoje, argumentam os técnicos que defendem o projeto em análise na Casa Civil, a estatal do setor elétrico se dedica basicamente a administrar passivos das empresas públicas de energia. No ano passado, ela teve um lucro financeiro de R$ 1 bilhão em seu balanço, mas não pôde usar esse dinheiro para investir. Os recursos foram transferidos ao Tesouro Nacional.

As discussões do governo parecem convergir na direção de fortalecer a estrutura estatal na área de energia, revertendo aquilo que foi diagnosticado pela equipe como um erro, o de enfraquecer a Eletrobrás.

'UMA PIADA'

Para o deputado federal José Carlos Aleluia (PFL-BA), especialista no setor, a idéia de transformar a Eletrobrás numa multinacional é 'uma piada'. Segundo ele, a estatal não tem recursos nem para fazer os investimentos de que o País necessita para afastar o risco de apagão nos próximos anos, quanto mais investir lá fora.

A Petrobrás, destaca Aleluia, pode investir em outros continentes e trazer o petróleo e o gás para o País. Já com eletricidade, há limitações físicas para o transporte. A menos que a Eletrobrás faça investimentos financeiros. 'Mas a Eletrobrás não tem a menor condição de ser um player internacional.'

O deputado identificou nas últimas discussões do governo uma preocupação com o abastecimento no médio prazo. 'Parece que acordaram para o problema, o que é bom.' Nesse sentido, Aleluia acha positiva a idéia de transformar a Eletrobrás numa Petrobrás, no que se refere à possibilidade de a empresa poder captar recursos em mercado. Para fazer esse tipo de operação de forma bem-sucedida, a estatal teria de adotar um padrão administrativo aceito pelo mercado. 'A Petrobrás atravessou o Rubicão e tem facilidade de captar no mercado, apesar do aparelhamento que sofreu', observou.

O problema, disse Aleluia, é que a discussão está no foco errado. Dar mais fôlego à Eletrobrás é bom, mas o risco de um apagão a partir de 2008 só será afastado com o ingresso de investimentos privados.