Título: A súmula vinculante
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2006, Notas e Informações, p. A3

Dois anos após ter sido introduzida no País pela Emenda Constitucional nº 45, a mesma que criou o Conselho Nacional de Justiça, a súmula vinculante finalmente vai ser posta em prática nos tribunais. O projeto que a regulamenta foi aprovado em votação simbólica pela Câmara esta semana e agora depende apenas da sanção do presidente da República para entrar em vigor. Na mesma sessão, os deputados também votaram outro importante projeto para a modernização do Poder Judiciário, autorizando o Supremo Tribunal Federal (STF) a julgar somente os casos de ¿repercussão geral¿, deixando para os demais tribunais superiores a decisão final dos processos com menor relevância social, econômica e jurídica. Atualmente, os 11 ministros da mais importante corte do País têm de julgar anualmente cerca de 120 mil processos, cujo teor vai de argüições de inconstitucionalidade de medidas tributárias a recursos judiciais que envolvem brigas entre vizinhos.

Concebida para desafogar os tribunais superiores, desestimular a apresentação de recursos judiciais com fins meramente protelatórios pelos advogados e aumentar a segurança do direito, a súmula vinculante é um mecanismo jurídico-processual que obriga as instâncias inferiores da magistratura a adotar as decisões já tomadas pelas instâncias superiores em processos semelhantes.

Para se ter uma idéia do alcance dessa inovação, entre 1991 e 2001 o número de recursos impetrados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF cresceu 930% e 663%, respectivamente, a maioria tratando de matérias sobre as quais as duas cortes têm entendimento pacífico. Além de descongestionar os tribunais superiores, a súmula tem a vantagem de permitir o encerramento das causas mais corriqueiras ainda na primeira instância. Em 2000, foram abertos 12 milhões de novos processos nas Justiças Federal, Estadual e Trabalhista, muitos deles tratando de questões sobre as quais os ministros do STJ e do STF não têm divergência.

Apesar de sua importância para a modernização do Judiciário, a súmula vinculante esbarrou em dois focos de resistência. Com medo de ver seu mercado de trabalho reduzido, os advogados se opuseram a ela. Os juízes mais jovens também resistiram à sua aprovação, acusando-a de cercear a liberdade de julgamento e de submetê-los à ¿ditadura¿ do STF.

Segundo o projeto aprovado pela Câmara, o Supremo só poderá aprovar, modificar ou revogar uma súmula vinculante com o voto favorável de dois terços de seus 11 ministros. As propostas para a edição, mudança ou cancelamento das súmulas poderão ser encaminhadas pela Presidência da República, Advocacia-Geral da União, Congresso, Procuradoria-Geral da República, OAB, defensorias públicas, partidos com representação no Congresso, confederações sindicais, Assembléias Legislativas e governadores. Uma vez aprovada, a súmula terá de ser seguida por todas as instâncias do Judiciário e da administração pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

O projeto que cria o critério de ¿repercussão geral¿ para a admissão de recursos, por parte do STF, é tão importante quanto o da regulamentação da súmula vinculante. Ao conceder à corte a prerrogativa de selecionar o que quer ou não julgar, o projeto dá ao Supremo um perfil semelhante à Suprema Corte dos Estados Unidos. Os ministros daquela corte julgam anualmente apenas 100 processos, em média. Mas todos são de fundamental importância para preservar as liberdades públicas, garantir os direitos de cidadania e dar aos agentes econômicos a segurança jurídica de que precisam para decidir e investir.

Segundo o projeto aprovado pela Câmara, o STF poderá declarar um tema irrelevante com o voto favorável de dois terços de seus integrantes. A proposta, que foi concebida pelo Executivo e redigida com a colaboração do ministro Gilmar Mendes, não faz do Supremo uma corte encarregada de julgar apenas matérias constitucionais. Mas, ao permitir uma drástica redução no número de recursos a ela enviados, o projeto redistribui de forma mais racional a competência dos tribunais superiores, permitindo que a maioria dos processos seja encerrada no âmbito do STJ.

A aprovação desses dois projetos é mais um passo importantíssimo para a modernização do Poder Judiciário.