Título: Preservar a Aneel
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2006, Notas e Informações, p. A3

A diretoria colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou na terça-feira, por unanimidade, a Resolução Normativa 231, que determina a retirada do potencial de geração das termoelétricas a gás, que não tenham o combustível à sua disposição, da contabilidade da energia disponível e, portanto, do cálculo do custo da operação elétrica. Mas na quinta-feira adiou para janeiro de 2007 a aplicação da 231, após reavaliar, nesse mês, a real capacidade da Petrobrás de fornecer gás às termoelétricas.

O adiamento foi a maneira encontrada pela Aneel para encerrar uma polêmica com o Ministério de Minas e Energia (MME) sobre a Resolução 231.

Em ofício de 10 de novembro ao diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, o titular do MME, Silas Rondeau, alegou que caberia ao Ministério, e não à agência, ¿definir e publicar os valores da garantia física dos empreendimentos de geração¿. Rondeau pretendia interferir no processo decisório da Aneel. Se sua advertência fosse acolhida, estaria enfraquecido o órgão regulador.

A resposta de Kelman foi firme. Ele explicou que a Aneel ¿não poderia adotar a postura do avestruz, que imagina estar resolvendo situações difíceis ao recusar-se a enxergá-las¿. Se não alertasse sobre os riscos de colapsos e a falta de disponibilidade de gás natural, estaria ¿vendendo gato por lebre, agravando o risco de racionamento¿. A Aneel quer eliminar uma ficção: a de que usinas sem gás podem produzir. Mas o MME insistiu em dourar a pílula.

As divergências entre a Aneel e o MME não terminaram. Rondeau alega que o preço da energia subiria com a Resolução da Aneel e que o déficit de gás é inferior ao apontado.

Há duas questões centrais na Resolução 231: o fornecimento de dados confiáveis sobre a oferta de energia e os efeitos dessa constatação sobre os preços no mercado livre. Dados da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) mostram que os riscos de novos colapsos são crescentes e já superam a margem historicamente tolerada de 5%.

Há dias, ficou evidenciado que para 2007, com base na situação atual da oferta (em que falta gás), os riscos de colapso são estimados em 6,95%, no Sudeste; 7,80%, no Sul; 6,95%, no Nordeste; e 15,80%, no Norte. Para 2010, esses porcentuais se elevam, respectivamente, a 10%, a 10,15%, a 20,65% e a 15,45%. Nos piores cenários, o risco máximo passa de 30%, no Nordeste, e de 63%, no Norte, entre 2009 e 2010.

A partir de setembro, já era claro que as usinas termoelétricas não podiam gerar a energia determinada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), por falta de gás. Em outubro, o problema foi escancarado: o ONS determinou a entrada em operação de 10 usinas termoelétricas, com capacidade de geração de 5.315,7 MW, mas apenas 1.927,5 MW médios foram de fato produzidos. Agora, cabe aos especialistas acompanhar de perto o teste da capacidade da Petrobrás de ofertar mais gás.

A explicitação dos riscos é essencial. Obviamente, empresas prestes a tomar decisões sobre investimento precisam ter garantia de que terão energia. Em caso de colapso, a energia que não estiver previamente contratada custará mais caro. A CCEE estimou que os preços no mercado livre de energia poderiam subir até 110% com a não contabilização de parte do potencial das Usinas Cuiabá, TermoRio, Macaé, Três Lagoas, Norte Fluminense, Eletrobolt, Ibirité, Canoas, Fagen e TermoPernambuco. A Aneel cumpriu seu papel de alertar o governo e os consumidores sobre a real capacidade de geração das usinas, num quadro de notória escassez de gás natural. O adiamento da vigência da 231 é preocupante, cabendo evitar que a imagem da Aneel saia arranhada.

Racionamentos de energia podem ser evitados se os governos admitirem o problema e agirem a tempo. Em 2001, ano do apagão, Kelman era presidente da Agência Nacional de Águas e fez um relatório crítico ao MME, à Eletrobrás, ao ONS e à própria Aneel, avaliando que eles foram omissos. Em 1999, dispunham de elementos suficientes para prever o elevado risco de racionamento, mas não agiram. A Resolução 231 deixa claro que o pior é a omissão, que pode custar à sociedade, como ocorreu em 2001, grande parte do crescimento econômico pretendido.