Título: 'Está na hora da geração de riqueza'
Autor: Dantas, Fernando e Rodrigues, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2006, Nacional, p. A6

A era Palocci pode estar acabando, mas um dos mais destacados representantes do palocismo está de volta à cena econômica e política do País. O economista Joaquim Levy, 45 anos, ex-secretário do Tesouro na gestão Antonio Palocci, aceitou ser secretário da Fazenda do Rio, a convite do recém-eleito governador Sérgio Cabral Filho (PMDB).

Quando fala dos seus planos, o carioca Levy faz o discurso do 'choque de gestão' e do controle das despesas que o presidente Lula tem evitado. Fugindo de críticas diretas ao governo ao qual serviu, ele deixa entrever, no entanto, preocupação com o afrouxamento do compromisso fiscal e com a falta de agenda para estimular o investimento privado.

O futuro secretário quer usar a carta branca que receberá de Cabral para dar transparência às contas do Estado, ainda que no caminho 'faça algumas descobertas menos saborosas'. Levy assegura que enfrentará logo duros fardos da herança do casal Garotinho, como o RioPrevidência, deficitário fundo de pensão do funcionalismo. Também mira na terceirização descontrolada e quer eliminar 'anomalias' que emperram a máquina de arrecadação. Ele diagnostica que 'o Estado do Rio está ficando mais pobre' e decreta: 'Está na hora de focar na geração de riqueza'.

Levy falou ao Estado por telefone na sexta-feira, de Manaus, enquanto cumpria agenda ligada a programas ambientais do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um dos últimos compromissos como vice-presidente do banco.

É possível fazer um ajuste como o que o governador eleito, Sérgio Cabral, vem propondo, com corte de 30% nos gastos de custeio?

Se há vontade e habilidade política, que não faltam ao governador, isto destrava e permite fazer coisas que parecem muito difíceis. Ele assumiu esse compromisso e inclusive me deu autonomia para implementar esta decisão política dele.

Essa autonomia pesou para o sr. aceitar este cargo?

Foi fundamental. Eu acho que a subordinação de qualquer outro interesse ao objetivo principal, que é o de colocar as contas do Estado em ordem, era uma premissa para qualquer conversa. E o governador foi absolutamente definitivo nisto, de que todos os temas relacionados à gestão econômico-financeira do Estado estariam sob a minha orientação.

E a rigidez das despesas do setor público. Como fazer um ajuste nestas condições?

Uma das primeiras coisas que temos que fazer é a modernização de toda a administração tributária do Estado. Já existe um arcabouço que podemos implementar no Rio, que inclusive está em atraso em relação a outros Estados. Um exemplo é o ICMS eletrônico, a nota fiscal eletrônica. E em algum momento vai se pensar em reorganizar a estrutura do Estado, um problema geral do País. O Rio Previdência tem um déficit mensal superior a R$ 170 milhões? Como resolver isto?

Hoje em dia, é difícil entender as contas do Rio. O TCE (Tribunal de Contas do Estado) fez um trabalho excelente, mas no setor público quanto mais transparência, melhor. Mesmo que no caminho você faça algumas descobertas menos saborosas. O próprio relatório do TCE diz que os melhores ativos fixos, os melhores prédios e tal, foram despachados para o RioPrevidência. Mas ainda há muitos outros ativos imobiliários que estão mal administrados, os quais, se você fizer uma boa gestão, podem ser colocados no RioPrevidência. Para essas coisas, é preciso haver estratégias, uma força-tarefa. Enfim, é administração, que a gente não tem há 20 anos, e não só no Rio.

O governo do Rio gastou R$ 4,1 bilhões em 2005 com terceirizados. O sr. vai mexer nisso?

A diversidade de situações cobertas pela terceirização e a essencialidade dos serviços prestados indicam a grande importância de que seja avaliada a efetividade dos programas e suas condições específicas. É um tema a ser examinado, até para que o terceirizado não se torne alternativa em prejuízo da melhora do quadro permanente do setor público.

O Rio de Janeiro é um dos poucos Estados cuja arrecadação de ICMS caiu nos últimos dois anos. Qual o seu plano para aumentar a arrecadação?

Uma comparação interessante é com Minas e Espírito Santo. Em ambos havia extraordinária quantidade de anomalias que os governos do Aécio Neves e do Paulo Hartung rapidamente começaram a controlar e reduzir, com um efeito muito positivo na receita. No Espírito Santo, por exemplo, eles foram na jugular, começaram a acabar com os regimes especiais. Naturalmente vou procurar todo mundo que possa dar apoio para a gente rapidamente implementar as soluções técnicas e de gestão. É essencial.

E o histórico de corrupção na máquina pública do Rio?

Acho que a seriedade é central na proposta do governador e é um aspecto do convite que ele me fez. Isto não é uma característica única do Rio, aliás. Dá uma olhada como era a situação que o Hartung pegou e o que ele conseguiu fazer. Agora, é importante ressaltar também que o Rio é um Estado que não está crescendo, que está ficando mais pobre. Está na hora de focar na geração de riqueza.

Como o sr. vê a atual política econômica?

O mix fiscal e monetário, particularmente nos últimos 18 meses, apresentou crescentes singularidades, que os economistas mais tradicionais vêem com crescente apreensão. Há uma expressão de um famoso economista, a 'aritmética desagradável'. Não adianta ficar dando uma de durão na política monetária, se a sua política fiscal não está direito.

O sr. acha que está havendo uma excessiva expansão fiscal? O palocismo acabou?

O que eu acho eu já disse e você inclusive já gravou. Outra coisa é o choque de gestão, que deveria estar presente em tudo. Tem que se criar um ambiente de negócios favorável, que dê confiança para investir. O Brasil já tem há três anos um quadro que poderia permitir esse tipo de aposta. Ela não é feita por causa dos vilões conhecidos, a incerteza regulatória e a carga fiscal que ninguém sabe onde vai parar.