Título: Presidente chega de Fusca para votar em morro de Caracas
Autor: Lameirinha, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2006, Internacional, p. A8

Uma multidão de simpatizantes, por um lado, e um fortíssimo esquema de segurança, por outro, esperavam Hugo Chávez em seu centro de votação no Colégio Manuel Palacio Fajardo, em 23 de Enero - um dos morros de Caracas de onde a população desceu em peso, em abril de 2002, para resistir ao fracassado golpe de Estado que o tirou do poder por menos de 48 horas. Centenas de soldados da Guarda Nacional cercavam a praça na frente do colégio, helicópteros militares sobrevoavam a área a todo momento e atiradores de elite do Exército se postavam no alto dos edifícios do conjunto habitacional de classe média baixa nas proximidades.

Às 11h30, sob um intenso foguetório e gritos de seus partidários - 'uh, ah, Chávez no se vá!' -, ele chegou. De Fusca vermelho e dirigindo, para o quase delírio das centenas de chavistas que o esperavam. De camisa vermelha sobre uma camiseta da mesma cor - 'rojo, rojito', como definia seu slogan no fim da campanha -, Chávez saudou o público ao descer do Fusca com pintura bem polida, volante esportivo e rodas de magnésio, de placa 1.

Antes de entrar no colégio, permitiu a aproximação de um simpatizante, um senhor negro, de 68 anos, que lhe deu uma espécie de passe espiritual. 'Eu me sinto parte do plano divino e meu presidente é parte desse mesmo plano', disse o simpatizante ao Estado, identificando-se como Eliot Godoy e declarando-se 'um revolucionário bolivariano'. 'Dei minha bênção ao meu presidente para evitar que o mal se aproxime dele. Temos de lutar contra o mal.' Segundo Godoy, Chávez apenas o agradeceu pela oração, antes de entrar para a sala onde votaria.

Um pequeno grupo de jornalistas, sorteados previamente pelo comando de campanha do presidente, já estava no interior do centro de votação. Depois de votar e posar para fotos, ele concordou em responder a três perguntas.

A primeira veio de uma repórter da emissora venezuelana privada Televén, que indagou a ele sobre o que pensava das denúncias feitas por membros da oposição pela manhã. Segundo esses relatos, a urna eletrônica emite um comprovante impresso, com o nome do candidato em que o eleitor votou, mas o espaço com o nome do escolhido estaria em branco, em alguns postos eleitorais.

Chávez minimizou a queixa. 'O processo eleitoral tem marchado normalmente e em um ambiente de tranqüilidade', disse. 'Esperamos que alguém, sentindo-se derrotado, não comece a espalhar boatos de todos os tipos.'

À segunda pergunta, feita por uma repórter da Telesul,emissora crítica ao governo, Chávez respondeu que esperaria o resultado da votação no Palácio de Miraflores.

O terceiro repórter sorteado era da TV japonesa. Com um compreensível mau espanhol, ele perguntou a Chávez que tipo de cooperação ele pretendia estabelecer com a Coréia do Norte - um dos pontos mais sensíveis da Ásia desde que realizou seu teste nuclear, em 9 de outubro. 'Buscamos cooperação, respeitando todos os governos, com todos os países do mundo, em várias áreas. Até com os EUA. Mas acho que esse tema não tem nenhuma relevância nesse momento', escapou.

A fila dos demais eleitores começou a andar com mais rapidez depois que Chávez deixou a sala de votação. Em 23 de Enero, os eleitores demoravam , em média, entre duas horas e meia e três horas do momento em que chegavam na fila até votarem. Chávez saiu da escola, fez uma nova saudação ao público. Entrou no fusca vermelho e retornou ao palácio.