Título: Política econômica contradiz retórica socialista
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2006, Internacional, p. A9

Para entender porque Hugo Chávez é o claro favorito nesta eleição e parece rumar para um mandato fortalecido do que ele chama de revolução socialista, é preciso levar em conta o vigor na Venezuela da mais capitalista das instituições - o mercado de ações. Situada em El Rosal, bairro de classe média alta com novos arranha-céus e hotéis, a Bolsa de Valores de Caracas, com 59 anos de existência, viveu uma atividade frenética durante a semana passada.

Seu índice principal subiu para o recorde de 46.741 pontos e culminou numa alta de 129,2% este ano, o que fez da Venezuela um dos mercados de melhor desempenho do mundo este ano. Na sexta-feira, o índice subiu 8%, o seu mais alto rendimento diário em quatro anos.

'Apesar de todos os defeitos de Chávez, seu governo tem sido extremamente pragmático em termos econômicos', avalia José Guerra, ex-chefe de pesquisa econômica do Banco Central da Venezuela. 'O capitalismo apoiado pelo Estado não está apenas sobrevivendo na Venezuela com Chávez. Está prosperando', explica Guerra.

Algo que é freqüentemente esquecido na disputa política travada entre Chávez e Manuel Rosales é o fato de que a Venezuela tem as maiores reservas convencionais de petróleo fora do Oriente Médio - é o quinto exportador do mundo - e o mundo vive hoje um dos mais significativos surtos de valorização dos preços do petróleo. A média do preço do barril em 1999, quando Chávez assumiu, era US$ 16,56, e hoje está em US$ 60,40. O crescimento econômico da Venezuela este ano deve ultrapassar os 10%, tornando-a a economia de crescimento mais rápido das Américas.

Embora se apresente numa embalagem socialista e tenha aprofundado sua aliança com a Cuba de Fidel Castro, foi o governo Chávez que tornou essa expansão possível, e trabalhando discretamente com o sistema bancário da Venezuela. A entrada de petrodólares na economia levou os depósitos bancários a subirem 84% nos últimos 12 meses, segundo a empresa de consultoria financeira venezuelana Softline Consultores.

O surto de crescimento é evidente numa economia que pôs a especulação financeira e o consumo ostensivo à frente da produção industrial doméstica. Por exemplo, montadoras estrangeiras, como Ford e General Motors, terão vendido 300 mil carros no país só este ano. Economistas descrevem a Venezuela como uma 'economia de porto', por causa do anseio por mercadorias importadas.

Apesar do discurso pró-socialismo, historiadores dizem que na verdade o que Chávez entrega é apenas o velho populismo. Ele é comparado freqüentemente a Carlos Andrés Perez, o presidente populista que acompanhou a expansão econômica da década de 70, outro período em que a Venezuela se beneficiou dos altos preços do petróleo.

'Chávez tem um problema, no sentido de que o que ele chama de sua revolução socialista nunca envolveu a derrubada de um ditador como Batista ou Somoza', argumenta Alberto Barrera Tyszka, que escreveu uma aclamada biografia do presidente venezuelano. 'Ele está redefinindo o socialismo como um conceito que só poderia existir na Venezuela, caracterizado pelo ódio a George Bush e por um excesso de BMWs e Audis.'

Algumas de suas políticas econômicas se inspiram em fórmulas usadas com resultados contraditórios por países em desenvolvimento e pelo mundo industrializado nos anos 60 e 70. Isso inclui o controle de preços dos alimentos e da gasolina, restrições rigorosas à compra e venda de moeda estrangeira e limites para tudo, desde taxas de empréstimos dos bancos ao preço nos estacionamentos.

MODELO

E o petróleo está no cerne do modelo de desenvolvimento de Chávez. Ao contrário de países exportadores de petróleo como México e Arábia Saudita, que restringem operações de empresas estrangeiras na área, a Venezuela produz petróleo em joint ventures com algumas das maiores empresas privadas, entre elas Chevron e Shell. Além disso, o governo atua em estreita parceria com bancos do país e estrangeiros para manter a estabilidade econômica.

Diferentemente do recém-eleito presidente do Equador, Rafael Correa, que planeja renegociar a dívida externa, Chávez não tem poupado esforços para cumprir as obrigações da Venezuela com os credores estrangeiros. Como resultado, os mercados continuam considerando os títulos venezuelanos tão seguros quanto um investimento em títulos emitidos pelo Brasil, a potência industrial vizinha.

Para o historiador venezuelano Fernando Coronil, da Universidade de Michigan, as políticas de Chávez lembram a Ação Democrática, partido que se elegeu pouco depois da 2ª Guerra Mundial com a promessa de distribuir a riqueza do petróleo aos pobres. Mas analistas vêem diferenças com períodos anteriores. Apontam que, enquanto outros ciclos de crescimento se baseavam em enormes investimentos destinados a projetos industriais, como fundições de alumínio, esta expansão mais recente é particularmente arriscada porque está concentrada principalmente no consumo.

Apesar de se vangloriar de ter um dos solos mais férteis da América do Sul, a Venezuela ainda importa metade de seus alimentos, a maior parte dos Estados Unidos e da Colômbia. Outro problema é que a moeda supervalorizada tem sido desastrosa para a indústria do país. Segundo Guerra, o número de empresas caiu de 17 mil em 1998 para apenas 8 mil hoje.