Título: Pinochet tem enfarte e está em estado grave
Autor: Murphy, Priscilla
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2006, Internacional, p. A10

O ex-ditador chileno Augusto Pinochet foi submetido a uma angioplastia depois de sofrer um enfarte do miocárdio ontem de madrugada. Segundo o médico Juan Ignacio Vergara, seu estado de saúde melhorou no decorrer da tarde, mas ainda era grave. 'O risco de morte continua existindo e as próximas 24 ou 48 horas serão decisivas', disse, acrescentando que Pinochet estava consciente, embora muito cansado, por causa dos procedimentos a que foi submetido.

Aos 91 anos, o ex-ditador cumpria prisão domiciliar desde 27 de novembro, acusado do seqüestro e assassinato de dois ativistas políticos na operação militar Caravana da Morte, em 1973. Às 2 horas da manhã, ele foi levado às pressas para a emergência do Hospital Militar de Santiago, apresentando também edema pulmonar agudo, segundo o primeiro boletim médico, divulgado de manhã. Constatado o enfarte, foi submetido à angioplastia, procedimento para desentupir as coronárias, as artérias que irrigam o coração. A hipótese de colocação de uma ponte de safena, cirurgia de alto risco, dada a idade do paciente, chegou a ser aventada. Mas foi descartada depois da realização de um cateterismo à tarde, que indicou que a angioplastia fora suficiente. Esse exame, realizado com uma sonda, permite avaliar se há obstruções nas coronárias.

Segundo o porta-voz da família, Guillermo Garín, no hospital Pinochet recebeu a extrema-unção, sacramento da Igreja Católica para os doentes com risco de morte. 'Estamos nas mãos dos médicos e de Deus', disse Marco Antonio Pinochet, seu filho mais novo. Ele e a irmã Lúcia estavam no hospital com sua mãe, Lucía Hiriart. Mais tarde, o presidente da Fundação Pinochet, general Luis Cortés Villa, afirmou que 'o perigo de morte já passou'. Na frente do hospital, dezenas de fãs do ex-ditador rezavam e gritavam palavras de ordem.

O secretário-geral de Governo, Ricardo Lagos Weber, contou que o governo se comunicou com o comandante em chefe do Exército, general Oscar Izurieta, a respeito do estado de Pinochet. Weber não quis revelar quais são os planos no Palácio La Moneda para a eventual morte do ex-ditador. 'É de mau gosto falar de funerais quando as pessoas estão vivas.' Recentemente, a presidente Michelle Bachelet disse que comparecer ao funeral de Pinochet a violentaria. Seu pai, o general Alberto Bachelet Martinez, morreu sob tortura em 1973, aos 50 anos.

O advogado de direitos humanos Hiram Villagra, assim como outros ativistas de direitos humanos, se mostraram céticos sobre a saúde do ex-ditador. 'Pinochet tem uma prática muito clara de ficar doente cada vez que aparecem resoluções interessantes', declarou. Era uma referência à decisão, marcada para amanhã, da Corte de Apelações sobre a chacina de 119 ativistas de esquerda do Movimiento de Izquierda Revolucionario (MIR).

O general reformado sofria de diabetes e fora internado em outras ocasiões, mas este ano não havia tido graves problemas de saúde. No entanto, Luis Cortés Villa contou que na véspera de seu aniversário, 25 de novembro, Pinochet comentou que estava vivendo seus últimos dias.

A última manifestação pública de Pinochet ocorreu justamente em seu aniversário de 91 anos. Pela primeira vez, em uma carta lida por sua mulher, ele assumiu a 'responsabilidade política por tudo o que foi feito' durante o regime militar. Mas lamentou 'todos os vexames, perseguições e injustiças que afetam a mim e minha família' e a vingança que sofrem 'camaradas de armas' daqueles que 'desencadearam a confrontação cívica e a violência que obrigaram as Forças Armadas a intervir para superar um conflito que parecia impossível de solucionar'.

Na carta, Pinochet disse 'estar próximo do fim de seus dias' e criticou a punição de militares pelos abusos aos direitos humanos na ditadura. 'Se, ao cabo de 30 anos, aqueles que provocaram o caos e o enfrentamento se renovaram e reinseriram em um estado de direito, não cabe reclamar castigos para os que evitaram que estes se prolongassem e se aprofundassem.'

Pinochet governou o Chile a partir de 11 de setembro de 1973, quando o Exército atacou o Palácio la Moneda com tanques e bombardeios aéreos. No ataque, morreu Salvador Allende, o primeiro presidente de esquerda eleito por voto popular no mundo. Segundo a versão oficial, ele se suicidou depois de resistir armado ao golpe militar.

A ditadura durou 16 anos, até 1990. Fala-se em 3 mil mortos e mais de 30 mil vítimas de tortura ou presos por motivos políticos. Desde 1998, quando foi preso em Londres, Pinochet foi alvo de vários processos por esses crimes.

Em 1988, foi realizado um plebiscito, previsto pela Constituição de 1980, no qual a população decidiria se queria ou não continuar com o regime militar. Se fosse contra, Pinochet deveria convocar eleições em um ano. No dia 5 de outubro, a maioria da população votou pela rejeição do governo militar.

As eleições foram convocadas para 1989 e Patrício Aylwin ganhou com 55% dos votos. Aylwin era candidato da mesma frente que governa o Chile hoje, a Concertación de Partidos por la Democracia.