Título: 'O mundo quer financiar as empresas brasileiras'
Autor: Brito, Agnaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/12/2006, Negócios, p. B10
As empresas brasileiras fugiram, nos últimos tempos, de um antigo roteiro. Ao invés de serem compradas por multinacionais, como ocorria habitualmente, elas inverteram o jogo. Nos últimos meses, a Vale do Rio Doce comprou a mineradora canadense Inco e a CSN fez uma oferta pela siderúrgica européia Corus. No Brasil, os grandes negócios partiram de companhias nacionais: a loja virtual Americanas.com anunciou uma fusão com o Submarino e a Sadia tentou comprar a Perdigão. Essa onda de ousadia tem uma explicação, segundo João Roberto Teixeira, vice-presidente do ABN Amro, um dos bancos que participaram de ofertas como a da Vale do Rio Doce e da Sadia.
¿O mundo está disposto a financiar o Brasil¿, diz Teixeira. Segundo ele, as empresas brasileiras estão obtendo recursos no mercado financeiro internacional em condições inéditas, com prazos mais longos e taxas de juros mais baixas que as habituais. ¿O fato novo é que as empresas têm acesso a capital a prazos mais longos e custos mais baixos. Este é o cenário mais favorável das últimas décadas para as empresas brasileiras¿, disse Teixeira, na entrevista a seguir.
O que explica a atual onda de fusões e aquisições entre empresas brasileiras?
O mundo está experimentando um momento de prosperidade. Como conseqüência, há uma enorme liqüidez no mercado internacional. Por um lado, as empresas podem ter acesso a capital com prazos longos e custos baixos. Por outro lado, os investidores buscam aplicar seus recursos em ativos que possam ter um retorno como não se vê mais em mercados maduros.
Qual é o papel do Brasil neste momento?
O Brasil é um mercado onde você tem a percepção de risco relativamente baixa e de retorno para o investidor relativamente alto. O grande fato novo é que, pela primeira vez nas últimas décadas, as empresas têm acesso a capital a prazos mais longos e custos mais baixos. O mundo está disposto a financiar o Brasil. Estamos falando de um mercado amplo, que inclui desde financiamentos bancários a recursos de investidores internacionais especializados em mercados emergentes.
Além disso, há outro fator importante, também inédito nos últimos anos. Há uma situação extremamente favorável no comércio exterior. Empresas brasileiras que tem vantagens competitivas têm sido capazes de aproveitar de forma marcante essas condições, especialmente com a alta das commodities. Com a soma ddesses dois vetores, o acesso ao crédito e os ganhos de competitividade, as empresas brasileiras têm a oportunidade, pela primeira vez, de se tornarem grandes jogadores no mercado internacional.
Quais setores são mais beneficiados por melhores condições de financiamento?
A predisposição para financiar as empresas brasileiras não se limita a setores específicos. Temos visto grande demanda dos investidores por setores tão distintos quanto minério-de-ferro, siderurgia, papel e celulose, frigoríficos.
Qual o perfil desse financiamento?
Há investidores dispostos a participar de operações tanto de curto quanto de longo prazo. Há cinco anos, a emissão de bônus (títulos de dívida) de sete anos seria um prazo longo. Hoje, esse é o prazo médio das emissões. Existem emissões que chegam a um prazo de 30 anos. Esse interesse em financiar bons projetos brasileiros se reflete também no mercado de ações. O que possibilitou essa onda de empresas abrindo capital no País foi o interesse de investidores estrangeiros por ações brasileiras.
Esse crescimento vai se concentrar em produtores de commodities como a Vale?
Esse movimento não será limitado a empresas como a Vale ou siderúrgicas. Vários setores da indústria tem vantagens significativas de custo operacional em relação aos concorrentes internacionais. E o movimento tende a acontecer normalmente na medida em que o País melhora sua classificação de risco. Você vai ver também movimentos importantes de consolidação no mercado local. Não é um cenário em que as empresas brasileiras vão estar buscando só aquisições fora do Brasil. Acho que é uma combinação das duas coisas.
Quais os setores que mais despertam interesse nos investidores?
Claramente temos visto operações grandes no setor de mineração, siderurgia e telefonia. Em papel e celulose, tem muita coisa importante para acontecer. Setores de infra-estrutura, como o setor elétrico, estão passando por uma nova fase no mercado brasileiro. As empresas do setor elétrico, por exemplo, estão muito mais sólidas do que há quatro anos. E estão com apetite de crescimento, o que não havia antes.
Esse movimento inclui só empresas grandes?
Dentro desse cenário de liquidez que mencionei, os investidores estão buscando idéias novas. Isso inclui empresas médias com bons projetos e boa governança corporativa. O novo mercado da Bolsa de Valores de São Paulo passa essa mensagem, tem empresas de boa governança e forte crescimento. O mercado de capitais está viabilizando o crescimento das empresas. Muitas delas fazem emissões de ações e usam os recursos para viabilizar o crescimento e fazer aquisições. É o caso da empresa de informática Totus. Outro setor fundamental é o de crédito imobiliário, com um movimento muito grande de expansão dos créditos de bancos para construtoras e construtoras emitindo ações para crescer.
O que mudou, na prática, para as empresas?
O exemplo mais emblemático é o das empresas médias. Há três anos, parte delas não tinha acesso, ou tinha acesso limitado, ao mercado bancário local. Hoje, essas empresas estão emitindo títulos ou ações no exterior. O que falta é desenvolver mais rapido o mercado de capitais local, o que permitirá às empresas que não querem ter passivo em dólar também se beneficiar desse crescimento da liquidez.