Título: 'Parte dos resultados eleitorais de Lula é conseqüência da derrubada da inflação'
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2006, Nacional, p. A4

Mal encerradas as eleições e iniciadas as articulações para estruturação do segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, foi transformado em alvo preferencial dos petistas. Dá-se como certo que, no mínimo, ele vai perder a autonomia de que gozou no primeiro mandato do presidente Lula e voltar a ficar subordinado ao Ministério da Fazenda.

Identificado como o responsável por uma política monetária que emperra o crescimento, Meirelles se defende. 'Há quem pense que, para crescer mais, é preciso admitir mais inflação. Está pensando errado, está matando crescimento futuro.' Em entrevista exclusiva ao Estado , Meirelles até reivindica parte dos créditos pela vitória de Lula nas urnas: 'Boa dose dos resultados eleitorais que o presidente Lula acaba de colher é conseqüência da melhora do padrão de vida da população. Está relacionada com a derrubada da inflação.'

O Banco Central está no meio de um tiroteio. Tem gente importante que o vê como o túmulo do crescimento. E quem o veja como um dos mais importantes cabos eleitorais do presidente Lula. Qual é a sua percepção?

A inflação baixa, e na meta, aumenta o poder de compra do consumidor, melhora as condições da alimentação, aumenta o acesso à qualidade de vida. O trabalhador percebe isso imediatamente. Ficou demonstrado nestas eleições que o controle da inflação é um objetivo extremamente popular. Este não é um trabalho solitário do Banco Central. Nisso está fortemente apoiado pela população.

Mas dá para dizer que os resultados do Banco Central ajudaram a reeleger o presidente Lula?

Não sou analista político, mas posso afirmar que boa dose dos resultados eleitorais que o presidente Lula acaba de colher é conseqüência da melhora do padrão de vida da população. Está relacionada com a derrubada da inflação.

Um dos consensos nacionais é o de que o País precisa crescer e tirar o atraso em relação a outros países em desenvolvimento. Como a política de juros pode colaborar para com isso?

Não há contradição entre combate à inflação e crescimento. A melhor maneira de garantir o crescimento é, em primeiro lugar, ter a inflação dentro da meta e, em segundo, a sociedade não ter dúvidas de que a inflação não vai sair da meta. Com isso, o prêmio de risco cai, os juros caem, a produtividade cresce, aumenta a proteção ao consumo e ao investimento e a economia pode avançar. Mas, atenção, essa é apenas condição necessária. Não é condição suficiente para crescer. É preciso mais. A melhora dos fundamentos reduziu a vulnerabilidade do País a crises externas. Há quem pense que, para crescer mais, é preciso admitir mais inflação. Está pensando errado, está matando crescimento futuro. Não há país que esteja crescendo a taxas elevadas que, ao mesmo tempo, não tenha a inflação sob controle.

Por que, além de olhar para a inflação, o Banco Central não olha também para o crescimento? Por que não conciliar os dois objetivos?

A única maneira de conciliar esses objetivos é manter a inflação na meta. Houve um tempo em que os economistas achavam que mais crescimento só se obteria com mais inflação. Isso foi categoricamente desmentido pelos fatos.

Mas o senhor vinha dizendo que a partir do momento em que o Banco Central conseguisse derrubar a inflação, um círculo virtuoso se instalaria e o crescimento viria por si só. Agora, está dizendo que isso não acontece automaticamente e é preciso atingir outros objetivos...

Não é apenas a queda dos juros que garante o crescimento. A queda dos juros ajudou a aumentar o consumo. No momento, o consumo está crescendo mais do que a produção. Uma parte da demanda está sendo coberta com mais importações, que estão dando um tempo para que o País se equipe e invista para responder a esse aumento do consumo.

Estamos na transição entre dois mandatos. A hora é de discussões dentro do governo para definir os rumos da política econômica. Quais serão os principais pontos desse debate?

O ponto principal é o que fazer para o País crescer mais. Há quatro anos e em outros períodos pós-eleitorais, a discussão era como sair da crise ou como não entrar nela. Agora, discute-se mais crescimento. Estamos progredindo, é um ganho de qualidade nos debates.

Como é que essas coisas acontecem no Brasil em fases de transição como agora: fecham-se primeiramente os rumos da política econômica e, em seguida, o presidente escolhe os nomes mais adequados para atingi-los? Ou acontece o contrário, primeiro saem os nomes e, depois, os rumos?

O que importa são as decisões estratégicas; os nomes são secundários. Mas é natural que, em alguns casos, um nome ou outro pode simbolizar a adoção de determinado processo.

O Banco Central não errou na dose dos juros? A meta deste ano é de uma inflação de 4,5% com um escape de 2 pontos. E, no entanto, a inflação vai ficar em torno dos 3%. O Banco Central não inibiu o crescimento econômico?

A resposta é não. Se uma inflação abaixo da meta fosse um erro, o centro da meta não seria centro, seria piso. Banco central que acerta é aquele que põe a inflação acima do piso e abaixo do teto. O pressuposto do raciocínio que motivou a pergunta é o de que uma inflação de 3% é baixa demais. Não é. Esses 3% são a média da meta de inflação dos países emergentes.

Que teria acontecido de ruim se, em vez de serem de 13,75% ao ano, os juros básicos fossem de 11%? A inflação teria voltado? E não teria havido mais crescimento?

A experiência mostra que cortes precipitados nos juros levam à deterioração das expectativas e à redução do crescimento, e não ao contrário.

Mais da metade do governo Lula, o PT em peso, políticos e empresários reclamam do excesso de ortodoxia do Banco Central na condução da política de juros. Será que toda essa gente está errada?

Em nenhum país, banco central que tenha aplicado uma política de desinflação foi popular durante o processo. É natural que todos queiramos os juros mais baixos, a maior despesa pública, mais investimentos do governo, mais aposentadoria, menos impostos. Quando cumpre suas metas, está apenas fazendo o que o governo e a sociedade lhe pedem.

O câmbio não está fora do lugar? O que pode ser feito para aumentar a competitividade do setor produtivo?

O câmbio só fica fora do lugar quando o Banco Central fixa o câmbio e o administra. O câmbio no Brasil é o resultado dos fluxos cambiais. Os principais fatores que determinam a cotação do dólar são o resultado da conta de comércio (exportações menos importações) e os investimentos estrangeiros diretos. Os fluxos financeiros nos últimos anos foram negativos.

Uma das propostas sobre a mesa é a volta ao organograma anterior, do Banco Central monitorado pela Fazenda. Há algum ponto negativo nessa idéia?

Existem várias formas de organizar a autoridade monetária. O que prevalece na maior parte dos países são bancos centrais independentes por lei, o que não é o caso do Brasil. A autonomia de fato do Banco Central do Brasil tem sido concedida pelo presidente da República. Não compete ao Banco Central opinar sobre eventuais mudanças na lei.

A volta do Banco Central para a jurisdição do Ministério da Fazenda significaria interferência dos políticos na definição dos juros?

Desde 2003, o Banco Central foi nos dois primeiros anos vinculado ao ministro da Fazenda e nos dois seguintes, ao presidente da República. Os dois modelos funcionaram bem, porque tiveram em comum a autonomia operacional do BC.

É verdade que o senhor arrancou do ministro Palocci um documento que garante a autonomia operacional do Banco Central?

Não há esse documento. A autonomia foi um acerto verbal, primeiro com o ministro Palocci e, depois, com o presidente da República.

Em algum momento o presidente Lula condicionou sua permanência no governo à substituição de diretores do Banco Central?

Não, isso nunca foi discutido e nunca aconteceu.

É verdade que, em abril, o senhor pretendeu sair do Banco Central para desincompatibilizar-se e, assim, poder disputar um mandato eleitoral e nisso foi desestimulado pelo presidente?

Não houve isso nem antes, nem durante nem depois de abril. Além disso, não sou filiado a nenhum partido político.

Se o presidente Lula o convidasse para permanecer no Banco Central, o senhor condicionaria sua aceitação a condições prévias?

Aprendi que não podemos trabalhar sob hipóteses.

Com que grupo o presidente Lula ficaria: com os chamados desenvolvimentistas, que dão ênfase à derrubada dos juros e ao crescimento, ou com os fiscalistas, que dão prioridade ao equilíbrio das contas públicas?

Cabe ao presidente responder a essa pergunta. Mas ele fará de tudo para que o País entre numa rota de crescimento econômico, sem comprometer as conquistas na área da inflação. As condições necessárias para isso estão dadas.

Depois de tamanha gastança, o que tem de ser feito para voltarmos a ter um orçamento equilibrado?

As metas de superávit primário têm de continuar. O próximo desafio será ter uma estrutura tributária racional e eficiente. Temos de pensar, também, em mais investimento em educação.

Reforma política é importante para garantir crescimento com baixa inflação?

É importante que os políticos estejam mais próximos dos anseios da população e dos compromissos dos seus partidos. Gosto da idéia das listas partidárias e do voto distrital. O parlamentar eleito por um distrito tem mais compromisso com seus eleitores.

O senhor não citou a necessidade de reforma da Previdência ou do sistema trabalhista. Não acha importantes para ter uma sociedade mais estruturada e para combater melhor a inflação?

São importantes. Mas convém lembrar que envolvem custos e, portanto, decisão política.

Até quando o Banco Central vai continuar a empilhar reservas?

Essa é uma das poucas perguntas que não vou responder. Outra é sobre a decisão da próxima reunião do Copom.