Título: 'Vou fiscalizar, não criar dificuldades'
Autor: Samarco, Christiane
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2006, Nacional, p. A14

Identificado, no Palácio do Planalto, como o opositor de maior peso político dentro do PMDB, o senador eleito Jarbas Vasconcelos (PE) diz não ver hipótese de aderir ao governo Lula. PT e PMDB são adversários ferrenhos em Pernambuco, voltarão a se enfrentar em 2010 e a cúpula peemedebista avalia que não há nada que possa ser oferecido ao novo senador para convencê-lo a apoiar a coalizão.

Jarbas estará à frente do grupo dissidente do Senado, mas ao mesmo tempo tranqüiliza o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em entrevista ao Estado, diz que o PMDB errou, ao trocar a independência por cargos, mas que nada fará para desestabilizar o governo. 'Não vou ficar na tribuna criando dificuldades. Vou fiscalizar o governo', afirma.

O senhor já votou em Lula?

Votei nele em 1989. Fiz a campanha do dr. Ulysses (Guimarães), perdemos a eleição e eu tentei levar o partido para Lula. Era presidente nacional do PMDB e o dr. Ulysses também trabalhou para que o partido o apoiasse, mas o apoio foi renegado. Infelizmente, venceu a pressão dos governadores, que queriam o partido livre.

O Lula daquele tempo mudou muito?

Conheci bem o Lula na oposição, lutamos juntos no combate à ditadura. Sempre tivemos um bom diálogo. Ele mesmo já disse, mais de uma vez, que fui o primeiro político a visitá-lo, quando ele saiu da prisão. Sempre mantivemos uma relação respeitosa e ele me tratou muito bem quando fui governador.

Qual o grande defeito e a maior virtude de Lula?

Acho que ele é uma pessoa sincera. Se puder acertar, vai acertar, mas nem ele nem o governo têm esse histórico de acertos. O governo faz as coisas pela metade, anuncia coisas que não faz. Além de assumir compromissos e não cumprir, falta ao conjunto do governo uma administração uniforme, conseqüente e ousada.

A presença do PMDB no governo não daria a pitada de ousadia que falta?

Não, porque Lula já tem hoje uma base de apoio um tanto diferenciada de 2003. Agora, pelo menos, o caminho que ele buscou, da via institucional, está correto. Essa é uma prática nova e que considero acertada. Não vejo nada demais em Lula querer uma base sólida. O PMDB é que não deveria ir para o governo. Esse é um equívoco a mais do partido nessa última década.

Não foi uma deferência a Pernambuco Lula decidir que lá ficaria a nova refinaria da Petrobrás?

Ele ajudou muito nessa definição, mas Pernambuco ganhou de outros Estados porque se preparou para isso. Não foi nenhuma deferência do presidente, não. Eu preparei a infra-estrutura, criei as condições para instalar a refinaria e fui buscar parceria com a PDVSA, da Venezuela.

Em que o presidente falhou mais?

O governo falhou. Mas isso não se deve debitar só na conta pessoal do presidente, embora seja evidente que é ele quem arma a equipe e define objetivos. Quem teve, como ele, uma vitória expressiva contra um candidato altamente competitivo, como o Serra, e não deu um passo à frente em relação às reformas nem melhorou o Brasil na infra-estrutura, perdeu uma oportunidade muito grande.

Que grande decepção o senhor teve com o governo Lula?

A grande decepção, para mim e para toda a Nação, foi a questão ética. Lula criou a base de apoio mais estapafúrdia que o Congresso já viu, escolhendo o que havia de pior dentro dos partidos. E deu no que deu, no mensalão e num governo que pariu Severino Cavalcanti.

O que mais o impede de apoiar o governo: a questão ética ou administrativa?

É um conjunto de elementos e os dois pesam. O PT e o governo tiveram oportunidade de fazer uma administração acima da média, marcada por mudanças, avanços, reformas. Isso não foi feito e não tenho nenhuma motivação para acreditar que o governo vá fazer agora. Temos um Brasil que não cresce, o pior desenvolvimento. O governo prometeu e não fez. A questão ética surpreende, sobretudo porque foi o PT, que era o dono da ética. E o pior de tudo é que a sucessão de escândalos vai se incorporando à paisagem brasileira como se fosse uma coisa natural.

O senhor acha que o segundo mandato de Lula pode ser melhor que o primeiro?

Eu vou fazer uma oposição completamente diferente da que o PT fez. Primeiro, não vou torcer pelo quanto pior melhor. Não vou ficar da tribuna criando dificuldades para que Lula administre o País. Vou fiscalizar o governo, adotar um princípio que, para mim, é óbvio e simples: quem ganhou governa, quem perdeu vai para a oposição.