Título: O gás mais caro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2006, Notas e Informações, p. A3

A Petrobrás informou que aumentará o preço do gás natural por ela produzido no Brasil, sob o argumento de que o valor ¿está defasado em relação aos combustíveis que veio a substituir, provocando desequilíbrio entre a oferta e a demanda¿. Falta acrescentar que o desequilíbrio era previsível e decorre dos percalços da política oficial para o gás natural, cuja oferta depende exclusivamente da estatal.

Em 2003, o governo e a Petrobrás adotaram uma política de estímulo ao uso do gás natural. O objetivo era ocupar totalmente a capacidade do Gasoduto Bolívia-Brasil, da ordem de 30 milhões de m³/dia. Metade da demanda total continuaria sendo atendida pela venda, no mercado interno, do gás da Bacia de Campos.

A resposta foi rápida e o consumo foi estimulado pela promessa de custo módico. A participação do gás natural na matriz energética chegou a 9,4%, em 2005, contra 5,4% em 2000 e apenas 3,3%, em 1995. As indústrias investiram na substituição de energia mais cara ou mais poluidora, gerada por motores movidos a diesel ou óleo combustível, por sistemas dependentes do gás natural.

Este insumo é, de fato, mais eficiente em alguns setores, como refratários, vidros e cerâmicas, entre outros. Muitas companhias ¿ e até edifícios de escritórios ou shopping centers ¿ implantaram sistemas de co-geração de energia, deixando de depender dos fornecedores tradicionais. Ao mesmo tempo, cresceu a frota de veículos movidos a gás.

A partir de 2003, o consumo de gás natural cresceu, em média, 17% ao ano, no País, e cerca de 15%, em São Paulo. O preço baixo ajudou: entre 2003 e 2005, os preços do gás natural importado da Bolívia não foram reajustados.

Mas a política oficial não era sustentável. Evidencia-se, agora, a falta do insumo, tanto para novas indústrias como para usinas térmicas movidas a gás, que não podem operar.

Esta situação poderia ser bem menos dramática. Grandes jazidas de gás natural foram descobertas na Bacia de Santos no primeiro semestre de 2003, mas os investimentos estão sendo lentos. Apenas em janeiro de 2006 a Petrobrás lançou o Plano Diretor para o Desenvolvimento para a Produção de Gás Natural e Petróleo na Bacia de Santos, prevendo investimentos de US$ 18 bilhões, em dez anos.

E só depois de instalada a crise do gás boliviano, no regime de Evo Morales, a estatal buscou recuperar o tempo perdido. Nos últimos meses, a Petrobrás tem cuidado dos licenciamentos ambientais necessários para o transporte do gás, depois de ter instalado uma sede administrativa em Santos e adquirido terrenos para uma base em Caraguatatuba.

O início da extração do gás do Campo de Mexilhão está previsto para 2009 e nos Campos de Tambaú-Uruguá, para 2010. Esses campos serão conectados por um duto submarino e o gás chegará à terra por meio de um duto interligando Mexilhão a Caraguatatuba, onde receberá tratamento antes de ser enviado para a Refinaria de Cubatão e para Taubaté.

A Petrobrás detém o monopólio de fato do gás natural. Controla a produção nacional e o gás importado que chega pelo Gasoduto Bolívia-Brasil, bem como a maioria das distribuidoras de gás. Como monopolista, não se sente obrigada a dar satisfação aos consumidores. Hoje, o preço do gás corresponde a 56% do preço do óleo combustível, segundo reportagem de Nicola Pamplona, divulgada terça-feira pelo Estado. Mas, no longo prazo, como admite a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), essa relação poderá aumentar para 80%, o que corresponderia a um aumento de 42% do preço atual do gás.

Por ora, a Petrobrás sequer informou o quanto pretende cobrar pelo gás, mas seu diretor Ildo Sauer foi categórico: ¿O gás natural está defasado e precisa de ajuste.¿ Ou seja, os consumidores que não puderem arcar com a conta que busquem uma saída.

A Petrobrás é uma empresa controlada pela União e se subordina ao Ministério de Minas e Energia (MME). Resta saber por que o MME não cobrou pressa da empresa na realização dos investimentos no gás da Bacia de Santos.

A imprevidência custará caro aos consumidores, que tampouco sabem quando ¿ e se ¿ estará disponível o gás liquefeito, alternativa para o gás natural e cuja importação foi anunciada há alguns meses.