Título: América Latina inicia corrida às armas
Autor: Godoy, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2006, Internacional, p. A23

Há uma corrida às armas na América Latina, e ela vale US$ 30,7 bilhões. Ainda assim, o processo se dá ¿em passos relativamente lentos¿, analisa a pesquisadora Bárbara Reyes, do Instituto Resdal, de Buenos Aires. Para a especialista, ¿os planejadores aparentemente consideram várias hipóteses de conflito, mas todas a longo prazo, no limiar de 2015 a 2020¿.

Essa semana, dois eventos indicam que, para alguns desses estrategistas a ameaça parece estar bem próxima. O ministro da Defesa da Venezuela, Raúl Baduel, negociou o fornecimento de 24 caças Su-30, russos, sob condição de entrega acelerada. Os dois primeiros saíram segunda-feira da fábrica de Komsomolsk, a bordo de um grande cargueiro Ruslan. Serão montados na base aérea de Caracas para serem exibidos em parada militar no domingo. O contrato é estimado em US$ 1,5 bilhão.

Na quinta-feira, a Embraer entrega cinco Supertucanos para a Colômbia. O negócio, de US$ 235 milhões, envolve 25 aeronaves turboélice de ataque leve, mais suprimentos. Os sistemas eletrônicos, da Elbit israelense, permitem ao avião lançar mísseis ar-terra e bombas inteligentes.

O levantamento do Resdal considera apenas os gastos militares do Brasil, da Argentina, do Chile, da Colômbia e da Venezuela.

As aplicações brasileiras com a Defesa aparecem com números impressionantes. O Orçamento da União para 2007 destina cerca de R$ 39 bilhões para o setor. Mas do total, R$ 30 bilhões serão destinados a pagamento de pessoal - ativos, pensionistas e inativos. Sobra pouco, e quase sempre com recursos não garantidos, para investir em novos equipamentos e avanço tecnológico.

Entre os países vizinhos a situação é bem diferente. O Chile, que destina ao Ministério da Defesa, por força de lei, um porcentual variável - chega a até 6% - da arrecadação obtida com a exploração das reservas de cobre e outros minérios, comemorou há uma semana a entrega da primeira de uma série de três fragatas inglesas da classe Type-23. São navios com pouco mais de 12 anos de uso. Foram comprados por US$ 260 milhões. Como o dinheiro é garantido, foi possível negociar um bom programa de revitalização e prazo: a última fragata vai aportar em Valparaíso em janeiro de 2008. Cada uma delas desloca 4.200 toneladas, dispõe de um helicóptero lançador de mísseis ou torpedo. Leva 181 tripulantes e é armada com mísseis mar-mar, antiaéreos e com dois canhões de acionamento eletrônico.

O projeto chileno é abrangente. Por US$ 45 milhões contratou nos EUA o fornecimento de 20 mísseis Harpoon, ar-superfície. Com alcance próximo de 120 quilômetros e dotados de ogiva de 270 quilos de alto explosivo, os Harpoon podem ser empregados para destruir instalações estratégicas - portos e centrais geradoras de energia.

Não é só isso. A Marinha do Chile, além das fragatas inglesas, também investiu em outras três, holandesas, de menor porte, e na compra de dois submarinos franceses Scorpéne. Esses são navios novos, de alta tecnologia. A propulsão é diesel-elétrica. Disparam torpedos de 533 milímetros. Ambos foram entregues com facilidades para receber dispositivos de tiro de mísseis táticos.

O Exército da presidente Michelle Bachelet, ela própria ex-ministra da Defesa, entrou no plano de modernização comprando 124 tanques de batalha, alemães, Leopard-2A4, gigantes de 62 toneladas com canhões de 120 milímetros feitos para munição supersônica e de energia cinética.

A aviação está recebendo 10 caças americanos F-16C Falcon combinados com 18 adicionais, cedidos pela força aérea da Holanda depois de passar por um processo de atualização.

Em todo o empreendimento o Instituto Resdal estima que tenham sido aplicados US$ 10 bilhões, em regime de módicas parcelas e a longo prazo.

A Colômbia, com largo apoio dos EUA, está aplicando todas as suas fichas em aquisição de tecnologia. Efeitos práticos: em julho lançou o sexto navio blindado de apoio a operações de combate. A embarcação de uso misto, fluvial ou costeiro, é furtiva (stealth, em inglês) em certa proporção. A difícil detecção por radares e sensores eletrônicos indica que sua possibilidade de emprego não se restringe à luta contra a guerrilha. Leva seis canhões rápidos .50 e quatro metralhadoras M-60. Pode lançar mísseis e torpedos. A propulsão usa jatos de água de alta pressão.

O navio foi construído em estaleiros colombianos do complexo Cotecmar, núcleo da nascente indústria bélica local. Cada unidade custou US$ 16 milhões. No mercado internacional, a cotação dessa classe é superior a US$ 60 milhões. A segunda prioridade é a construção de blindados anfíbios russos BTR-80 de tração 8x8, armados com canhão 23 mm e capacidade para transportar até 13 soldados equipados.

A Venezuela de Hugo Chávez continua contratando. O presidente já gastou US$ 3 bilhões da linha de crédito de US$ 5 bilhões obtida na Rússia em trato direto firmado com Vladimir Putin há dois anos. Até agora o pacote inclui 24 caças Su-30, os mais poderosos do continente, 35 helicópteros e 100 mil fuzis Ak-103. Em discussão estão de 10 a 15 submarinos Amur, 138 navios de superfície, sistemas de radar, complexo de defesa antiaérea baseado em mísseis e fábricas de material de defesa.

Em julho entrou em operação a nova brigada de operações especiais. Chávez, um pára-quedista, conta com uma tropa de elite bem equipada e bem armada, transportada em blindados aperfeiçoados, e submetida a treinamento avançado.

No Brasil, a Força Aérea vai incorporar antes do Natal mais dois interceptadores franceses Mirage 2000C, usados. Outros dois chegaram em setembro. O acordo ajustado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Jacques Chirac prevê a transferência de 12 caças até o quarto trimestre de 2008 ao custo de 80 milhões. O Chile fará antes do fim do ano o primeiro ensaio de combate com os F-16 Falcon nas regiões norte e nordeste.