Título: A história de uma crise anunciada
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2006, Economia, p. B4
A crise energética que atingiu o País de junho de 2001 a fevereiro de 2002 inseriu de vez a palavra apagão no vocabulário dos brasileiros e obrigou a população das Regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste a adotar hábitos de consumo de energia extremamente econômicos. A economia vinha aquecida, com um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 4,4% em 2000. Em 2001, o racionamento golpeou a produção e reduziu o crescimento para 1,3%.
Com a crise instalada no governo de Fernando Henrique Cardoso, o comando emergencial do racionamento se deslocou para o Palácio do Planalto, sob a coordenação de Pedro Parente, da Casa Civil, que assumiu a presidência da Câmara de Gestão da Crise de Energia. A medida afastou do controle o Ministério de Minas e Energia.
A primeira resolução da Câmara, de 16 de maio de 2001, proibia partidas de futebol à noite e reduzia em 35% a iluminação pública. No dia 22 veio o racionamento de 20% para residências e comércio e, depois, cortes de 15% a 25% no consumo das indústrias.
PRIMEIROS SINAIS
Os sinais do problema começaram em 2000, com o aumento da importação de energia. Especialistas já alertavam para a iminência de uma crise energética e a possibilidade de o risco de déficit de energia ultrapassar 5%.
A falta de investimento em novas usinas e linhas de transmissão de energia e o atraso nas obras em andamento eram os argumentos dos conhecedores do setor, de fora do governo, para sustentar a tese de que os problemas estavam próximos. A falta de chuvas veio para agravar a situação. Mesmo com esses alertas, pouco antes de criar a Câmara, o governo cogitava apenas uma 'racionalização'.
De acordo com o presidente do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires, a falta de investimentos foi causada pela interrupção do processo de privatização das geradoras. 'Com isso, não houve nem investimento privado, nem estatal', diz Pires. 'Este é também um dos problemas do modelo do PT, que favorece a estatização do setor e não atrai investimentos privados', acrescenta. 'Estamos às vésperas de um outro apagão, por um erro de diagnóstico. Não foi a privatização que causou o apagão, mas a falta dela.'
Em julho de 2001, uma comissão criada para apontar as causas do racionamento presidida pelo então presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Jérson Kelman, hoje diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), apresentou um relatório dividindo a responsabilidade pela crise energética entre o Ministério de Minas Energia, a Aneel e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O documento, conhecido como 'Relatório Kelman', concluiu que esses órgãos mais a Eletrobrás sabiam já em meados de 1999 que havia risco de déficit de energia 'muito elevado' para 2000 e 2001. O documento diz que o então ministro Rodolpho Tourinho deu instruções para que as avaliações de risco não fossem divulgadas para não preocupar exageradamente a população.
A comissão concluiu que houve falha na comunicação entre os órgãos do governo e por isso a necessidade de se fazer o racionamento não foi 'devidamente sinalizada' ao presidente Fernando Henrique. O relatório concordou com as previsões de especialistas de fora do governo de que o atraso na construção de usinas e linhas de transmissão foi o fator predominante para a crise.
Em maio de 2001, os reservatórios das Regiões Sudeste e Centro-Oeste estavam operando com apenas 29,69% de sua capacidade. No pior mês, setembro, o nível chegou a 20,69%. No Nordeste, o nível de água nos reservatórios estava em 27,29% em maio e em 7,84% em novembro.