Título: 'Ou se ajusta o preço ou se raciona o gás. E não vamos fazer racionamento'
Autor: Cataldo, Beth ; Tereza, Irany e Lima, Kelly
Fonte: O Estado de São Paulo, 03/12/2006, Economia, p. B5

As distribuidoras estaduais de gás deveriam arcar com o reajuste do produto, evitando repasse ao consumidor. A opinião é do presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli. Margem de manobra para isso elas têm, garante o executivo, que recebeu sexta-feira a equipe do Estado para uma entrevista que se estendeu por hora e meia. 'Digo a vocês que a diferença é sete ou oito vezes mais entre o preço que as distribuidoras pagam a nós e o que o consumidor paga a elas. A margem é muito grande', garante, alegando que a Petrobrás absorveu reajustes sucessivos do gás boliviano de 2003 a 2005 e repassou às distribuidoras apenas metade do aumento de 90% de setembro de 2005 até agora. 'A regra do mercado é: quem ganha num momento, perde no outro.' A única certeza é que a Petrobrás vai reajustar o produto. Para ele, o atual crescimento da demanda não deixa alternativa. 'Ou se ajusta preço ou se faz racionamento. E não vamos fazer racionamento.' Também com relação ao preço da gasolina, Gabrielli afirmou que o consumidor não deve temer sobressaltos para 2007, até porque sua estimativa é de preços declinantes para o petróleo. Gabrielli deu a entender que pretende continuar à frente da estatal na segunda gestão do presidente Lula e fez uma verdadeira profissão de fé às políticas de governo.

Já há uma avaliação sobre a situação no Equador?

Não. Precisamos esperar o presidente eleito (Rafael Correa) tomar posse para definir as políticas dele. Estamos satisfeitos com o resultado da eleição. Achamos que todo resultado eleitoral expressa avanço democrático de diversos povos, são processos legítimos.

No caso da Bolívia, houve críticas à atuação do governo, que poderia ter sido mais forte no episódio.

A posição do governo foi fundamental para abrir possibilidades de continuar um diálogo empresarial. Foi extremamente importante para chegar aos resultados a que chegamos. Os contratos são equilibrados. As empresas, a Petrobrás, a Repsol e a Total (sócios nos dois maiores campos produtores do país) não vão ter prejuízos. Os contratos permitem a retomada de investimentos, garantem condições de rentabilidade atraente. É claro que a Bolívia mudou a cobrança de tributos sobre hidrocarbonetos, mas isso é uma decisão do povo boliviano e é legítima.

Como fica a expansão da empresa na América do Sul com a onda nacionalista?

Continuamos com a intenção de investir na América do Sul. Em 2006, assinamos memorando de entendimentos com a Petroperu, no Peru, que amplia nossas atividades naquele país. Estamos ultimando as negociações em vários projetos na Venezuela. Assinamos compromisso de investimentos na Colômbia. Temos possibilidade de retomar investimentos na Bolívia. Estamos com estudo de impacto ambiental para exploração de um bloco no Equador. Compramos atividades de distribuição no Uruguai, Paraguai e na Colômbia. Estamos em várias frentes de atividades na América do Sul.

Existe espírito xenófobo com relação à Petrobrás?

Não. O que há hoje no mundo é que, à medida que se tem uma fase longa de preços altos do petróleo, é evidente que governos queiram aumentar sua participação na renda. É um processo cíclico. O grande problema da segurança energética força um aumento de novos investimentos, a disputa pela renda petroleira, e os agentes todos, incluindo o governo, querem maior papel. Ou aceitamos isso ou saímos do setor. Conviver com a crise faz parte do nosso negócio.

Isso pode também acontecer no Brasil?

No Brasil estamos vivendo conflitos intensos. Agora mesmo na questão da 8ª Rodada. É um exemplo de conflito que existe na sociedade. É normal que existam diferentes posições de como fazer o acesso aos recursos de hidrocarbonetos e se tem que, democraticamente, solucionar conflitos.

No caso do leilão, houve indícios de que a Petrobrás seria a principal beneficiada com a suspensão...

As descobertas futuras (de petróleo) dependem fortemente de novas áreas exploratórias, cuja oferta é feita por meio de leilão. Inibir a realização de um leilão afeta, no longo prazo, o ritmo das atividades exploratórias no País. No nosso caso, afetaria limitando nosso apetite contratual. Mas a anulação do leilão, a conturbação do processo, não contribui para aumentar a atividade no País.

A suspensão do leilão, voltado para o setor de gás, prejudica a meta de auto-suficiência?

Não no curto prazo. Toda a perspectiva de crescimento da produção da Petrobrás para os próximos anos, de atingir a 71 milhões de metros cúbicos até 2011, é totalmente baseada nas reservas existentes. Não posso dizer simplesmente que a suspensão do leilão vai afetar qualquer coisa, porque pode ser que dentro de dois ou três meses ocorra nova rodada.

A medida da Aneel de reduzir a disponibilidade das térmicas pode impactar a área de gás e energia?

Não tem redução de disponibilidade de térmica nenhuma, pelo que eu saiba. Há uma visão diferente entre o ONS e os agentes de termoelétricas. No nosso caso, por exemplo, temos 4 gigawatts de capacidade e só vendemos um. Há 3 GW não contratados. Temos de discutir o equilíbrio entre o regulatório, o contratual e o físico. Querer que tenhamos disponibilidade de gás para quem não tem contrato com fornecimento é complicado. Mas não afeta o consumidor final. É uma questão entre os produtores e os distribuidores e envolve o grande consumidor. O consumidor livre de energia do Brasil, que não quis fazer contrato porque para ele era melhor, agora terá de pagar. Ele ganhou no tempo em que não fez contrato, agora terá de pagar mais.

Ele vai acabar repassando isso para os preços...

E por que não repassou enquanto ganhou? Ele ganhou quanto nos últimos três anos? A regra do mercado é: quem ganha num momento, perde no outro.

O consumidor quer saber se vai ter gás e a que preço.

O gás que chega para o consumidor final não é afetado em nenhum momento. É muito pequeno o volume do gás do consumidor doméstico, veicular. Não vai faltar. Nenhum programa emergencial ou de contingência que existe hoje em preparação considera faltar gás num horizonte longo. Existe uma regra que diz que tem de atacar o grande com o grande. O grande consumidor hoje é o industrial, a termoelétrica. São 6 milhões de metros cúbicos de gás para todo o mercado de gás natural veicular do País, numa demanda total de 45 milhões. Gás domiciliar é menos ainda. E eles (consumidores domésticos e de GNV) são prioridade total. Como produtora e transportadora de gás, a Petrobrás é proibida pelo sistema regulatório de distribuir gás ao consumidor final. Ela não pode dizer que o gás é para veicular, para térmica, para domicílio. Quem decide para onde vai o gás e o preço que o consumidor paga é a distribuidora. No caso de São Paulo, a Comgás, a Gás Brasiliano etc. De janeiro de 2003 a setembro de 2005, o (preço do) gás que vendemos às distribuidoras praticamente não se alterou. Em 2003, trazíamos 9 a 10 milhões de metros cúbicos da Bolívia e pagávamos por 24 milhões. Seguramos o preço, apesar de reajustar o preço da Bolívia a cada três meses. Não repassamos às distribuidoras e o consumo brasileiro foi crescendo até chegar, em 2005, a 24 mil metros cúbicos. Falamos: a partir de agora vamos recompor os preços aos nossos custos. De setembro de 2005 para cá, os preços na Bolívia subiram em torno de 90%. No Brasil, subiu metade para as distribuidoras. Para o mercado consumidor subiu entre 20% e 25%, dependendo da distribuidora. A margem de ganho das distribuidoras cresceu. A Petrobrás perdeu, porque não repassou os valores, e as distribuidoras também não repassaram tudo o que poderiam para o mercado interno, que estava com demanda muito grande. Mas a Petrobrás não tem nada a ver com isso. Principalmente em São Paulo. Nos outros Estados, até participamos, minoritariamente, em algumas distribuidoras estaduais.

Foi erro de estratégia?

Nem um pouco. A expansão é correta. A retomada do reajuste de preço também. Temos de fazer com que os preços fiquem mais equilibrados. Não estamos retraindo (o consumo), estamos nos ajustando ao volume do mercado. Não tem outro jeito: se a demanda cresce, ou se ajusta preço ou se faz racionamento. Não vamos fazer racionamento. Digo a vocês que a diferença é de sete ou oito vezes mais entre o preço que distribuidora paga a nós e o que o consumidor paga a elas. A margem é muito grande. Há possibilidade de eles não repassarem porque, se elevarem muito o preço, o consumidor final sai do gás natural e vai para o GLP ou volta para a energia elétrica. Ele (distribuidor) sabe que tem um limite.

A idéia é que o distribuidor absorva esse aumento?

Quem está absorvendo nesse momento somos nós (Petrobrás). Esse é o ponto. É evidente que a margem para a indústria é menor do que para o consumidor final. Como o grande consumidor também faz contrato de longo prazo, tem margem menor para a distribuidora. Aí tem de ser caso a caso. Por isso, quando se pergunta qual o porcentual de aumento, não dá para dizer, porque estamos discutindo novas fórmulas de contrato com as distribuidoras.

Qual a projeção para os preços do petróleo em 2007?

Temos hoje uma oferta muito próxima da demanda no mercado mundial, em torno de 83 milhões, 84 milhões de barris por dia. No entanto, como há instabilidades, a volatilidade tende a ser grande. Nossa expectativa é de que o preço do petróleo nem vai cair nem se elevar dramaticamente, mas ficará flutuando muito. Enquanto a flutuação se mantiver, não tem por que alterar os preços (dos combustíveis). O Brasil tem uma política interna de preços que minimiza essa volatilidade. Durante este ano, por exemplo, os preços subiram 30% e baixaram 20% em duas semanas, três semanas. Nós não tivemos esse efeito no Brasil. A tendência para 2007 é de preços declinantes, porque os investimentos estão crescendo, a produção tende a crescer.

A auto-suficiência se mantém com um crescimento mais pujante da economia?

A Petrobrás investiu entre janeiro e novembro deste ano R$ 22,6 bilhões. No ano que vem, vamos investir R$ 47 bilhões. Esse investimento independe do curto prazo. Vamos sair da produção atual de 2,4 milhões de barris para 3,4 milhões de barris em 2011. Em 2015, nossa meta é de 4,5 milhões de barris por dia. É a metade da Arábia Saudita de hoje, é maior do que a Exxon, a maior produtora privada do mundo. Estamos projetando, em termos de auto-suficiência, crescimento médio de 4% do PIB até 2011. Projetamos produção 20% acima do consumo nacional. Temos uma folga.

O senhor está preparado para outros quatro anos discutindo preços aqui na Petrobrás?

Olha, se o presidente Lula e o governo brasileiro indicarem meu nome para continuar, eu estou. Agora, não depende de mim. Depende do Conselho de Administração da Petrobrás, que é controlado pelo governo.

A diretoria da Petrobrás continuará como está?

Não posso responder a essa pergunta. Tudo isso depende do Conselho de Administração. Em nenhum momento é minha a decisão. Posso aceitar ou não, claro. Posso dizer: aceito ou não. Agora dizer qual vai ser a decisão do conselho...

É possível sair para exercer um cargo no ministério?

Não comento rumores. Estou presidente da Petrobrás e serei presidente da Petrobrás enquanto o conselho quiser me manter. Quando não quiser, voltarei a ser professor universitário.