Título: YPFB negocia permanência da Petrobrás no controle de refinarias
Autor: Brito, Agnaldo
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/11/2006, Economia, p. B7

A Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) negocia com a Petrobrás a permanência da estatal brasileira no controle operacional das refinarias de Santa Cruz de la Sierra e Cochabamba. A estatal boliviana quer se preparar para assumir o negócio. O prazo pode superar um ano.

A privatização do setor hidrocarborífero na década de 90 desmontou a YPFB, cuja única função posterior foi gerenciar os contratos com as companhias de petróleo que aportaram no país. Com a nacionalização, a estatal boliviana retoma o controle do setor, mas enfrenta grande carência de quadros técnicos capazes de dominar toda a cadeia, da produção à venda da gasolina nos postos.

No caso das refinarias, a Bolívia já deu provas de que precisa evoluir muito para gerenciar. Quem já visitou uma refinaria de petróleo conhece o rito. Vídeos mostram procedimentos que devem ser rigorosamente seguidos, equipamentos de segurança são de uso obrigatório e existem regras básicas, como não acender um cigarro ou portar arma de fogo.

A razão é muito simples. Numa unidade com dutos cheios de petróleo, gás, gasolina e diesel, uma fagulha pode provocar uma catástrofe.

No dia 1º de maio, em nome da nacionalização, o governo Evo Morales contrariou todas as práticas de segurança. O ato de anúncio do Decreto de Nacionalização ocorreu dentro de um campo de produção de petróleo e gás da Petrobrás. A unidade foi tomada por centenas de soldados armados com fuzis.

REESTRUTURAÇÃO

O presidente da YPFB, Juan Carlos Ortiz, prepara um plano de investimento para recuperar a estatal, transformando-a novamente numa companhia de petróleo. 'Vamos apresentar um plano de restruturação da YPFB num prazo de 30 a 45 dias', disse Ortiz.

Hoje, boa parte dos profissionais bolivianos do setor trabalha para as empresas estrangeiras. O próprio presidente da estatal foi gerente-geral da Petrobrás. É agora que os bolivianos saberão se o duro e conturbado processo de retomada dos recursos naturais afugentará ou não o capital internacional.

A expectativa informada pelo governo ao público na Bolívia é otimista. O ministro de Hidrocarbonetos, Carlos Villegas, anunciou que a Bolívia receberá entre 2007 e 2010 cerca de US$ 3,5 bilhões em novos recursos.

O ciclo positivo da atividade petrolífera é um apoio importante para o país, que cega as percepções de riscos ante as possibilidades de lucro. Outros dois fatores positivos em favor da Bolívia são os volumes de reservas ainda não explorados e principalmente a carteira de clientes. Além do Brasil e da possibilidade de aumentar a demanda interna, o governo do argentino Néstor Kirchner aparece como o fiel da balança.

Na semana anterior ao prazo final para assinaturas dos contratos, o presidente argentino assinou um acordo para compra de mais 20 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, elevando para 27,7 milhões de m3/dia as compras do combustível. Isso serve como o contrapeso da política nacionalista do presidente Evo Morales. De novo: é algo que o tempo vai esclarecer.

INVESTIMENTOS

Os sinais da disposição das petroleiras em transferir dólares para a Bolívia já podem ser vistos. Fora a Petrobrás, magoada demais para acenar tão cedo com novos investimentos, as demais companhias anunciaram as primeiras cifras.

O consórcio BG/Exxon/Total promete investir US$ 500 milhões no campo de Itaú, que, segundo expectativa, abastecerá o contrato com a Argentina. O campo de Margarita, outro importante na Bolívia, operado pela hispano-argentina Repsol-YPF, pela British Gas e pela British Petroleum, deverá receber mais US$ 900 milhões. A Petrobrás acena com investimentos, mas acha precipitado qualquer anúncio neste momento, talvez por temer a reação no Brasil.

O modelo boliviano é de alto risco. Mudou as regras, criou uma demanda muito acima da capacidade atual e agora precisa não de milhões, mas bilhões de dólares em investimento. Ao contrário, não terá como entregar o que prometeu. No limite, a Bolívia continua nas mãos das 'transnacionais'.

NÚMEROS

US$ 3,5 bilhões é o valor dos investimentos de empresas estrangeiras na Bolívia previsto para 2007 a 2010

27,7 milhões de m3 é o total de fornecimento diário de gás previsto após contrato assinado pela Bolívia com a Argentina.

US$ 500 milhões