Título: Doente pode ter aparelho desligado
Autor: Westin, Ricardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2006, Vida&, p. A27

O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou ontem uma resolução que permite que os médicos interrompam os tratamentos que prolongam a vida dos doentes quando eles estão em estado terminal e não têm chance de cura. De acordo com o texto, aprovado por unanimidade, isso só pode ocorrer se for a vontade explícita do próprio doente ou de seus familiares.

A prática é chamada de ortotanásia, mas essa palavra costuma ser evitada pelos médicos. Temem que seja confundida com a eutanásia. São práticas diferentes. A eutanásia é o procedimento que antecipa uma morte inevitável. Isso, pelas leis brasileiras, é homicídio. No caso da ortotanásia, agora regulamentada pelo CFM, o médico desliga os aparelhos, e a morte ocorre naturalmente, sem indução.

O que fazer com os pacientes em fase terminal sempre foi um dos maiores dilemas dos médicos. A prática, de maneira geral, tem sido manter o paciente vivo o maior tempo possível. Por causa disso, muitos doentes morrem internados em UTIs, ligados a aparelhos e afastados da família.

'Estamos mostrando aos médicos que isso (a ortotanásia) não é uma infração ética nem uma derrota', explica o cardiologista Roberto d'Ávila, diretor do CFM e um dos responsáveis pela elaboração do texto aprovado ontem. 'Os médicos são treinados para vencer a morte a qualquer custo. Mas eles têm de parar com essa futilidade, com essa obstinação terapêutica. Têm de parar de ser preocupar com a morte e começar a se preocupar com o paciente, para que ele tenha uma morte sem dor, com sedação se for necessário, com conforto psíquico e espiritual. Os médicos precisam entender que a morte não é um inimigo. É algo natural.'

Com a nova resolução, serão mais comuns mortes como a do papa João Paulo II (1920-2005) e a do ex-governador de São Paulo Mário Covas (1930-2000). Eles preferiram passar seus últimos momentos em quartos comuns, recebendo os chamados cuidados paliativos, em vez de ficarem em UTIs, aos cuidados de médicos que certamente tentariam ressuscitá-los.

TEOLOGIA E DIREITO

O tema começou a ser discutido em 2004, no Conselho de Medicina de São Paulo, que preparou o texto preliminar levado ao Conselho Federal de Medicina no início deste ano. Antes de colocar o texto em consulta pública, o CFM ouviu as sugestões de uma câmara técnica composta por um teólogo, um desembargador e representantes das áreas de cuidados paliativos, geriatria, terapia intensiva e bioética. O texto final foi votado ontem de manhã, em Brasília.

De acordo com o diretor do CFM, os médicos agora devem informar as famílias quando o doente está em estado terminal e sem possibilidade de cura. Se o paciente ou os parentes concordarem, os procedimentos que o mantêm vivo são interrompidos pelo médico.

O paciente ou o familiar responsável não precisará assinar nenhum documento, mas a informação deverá constar do prontuário médico. 'Os médicos que não escreverem a verdade terão de responder por isso', explica d'Ávila.

A resolução não determina punições para os médicos que estenderem inutilmente a vida dos doentes. 'Isso tudo implica uma mudança de moralidade. Portanto, não pode ser proibitiva, impeditiva', diz o diretor do CFM.