Título: 'Investir no Brasil é quase um calvário', diz Vale do Rio Doce
Autor: Ciarelli, Mônica
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2006, Negócios, p. B14

Um dia depois de divulgar resultados recordes no trimestre, com o maior faturamento e lucro da história, a Companhia Vale do Rio Doce decidiu comprar uma briga proporcional ao seu tamanho. Em entrevista convocada para detalhar os resultados do trimestre, dois diretores endureceram as críticas à burocracia, à política cambial e outros entraves ao crescimento da mineradora no Brasil.

A Vale ameaçou inclusive cancelar o projeto de expansão no Porto de Sepetiba, no Rio de Janeiro, por causa dos problemas burocráticos. Orçado em R$ 80 milhões, o projeto prevê a ampliação de uma área de estocagem de soja. Há dois anos, porém, a empresa tenta e não consegue obter a licença da prefeitura de Itaguaí para que o investimento saia do papel 'É quase um calvário investir no País.(...) Se nós queremos crescer, temos de favorecer o ambiente para o investimento e remover os obstáculos', reclamou o diretor-executivo de Finanças da mineradora, Fábio Barbosa.

Na quarta-feira, a Vale havia divulgado que seu lucro atingiu R$ 4 bilhões no trimestre, elevando os ganhos em 2006 para R$ 10,1 bilhões. Já o faturamento chegou a R$ 11,6 bilhões no terceiro trimestre e a R$ 30,1 bilhões desde o início do ano.

Segundo Barbosa, apesar de a Vale ter batido também recordes de exportação, o câmbio está produzindo grandes prejuízos à companhia. A cotação baixa do dólar teria sido o principal motivo da elevação dos custos da Vale este ano em US$ 500 milhões. A valorização do real em relação ao dólar, diz Barbosa, foi responsável este ano por 25% do aumento de custos operacionais da companhia.

O executivo disse que o governo precisa repensar sua política de estímulo ao desenvolvimento. 'O Brasil tem condições de crescer a taxas muito superiores. Mas estamos tropeçando em nós mesmos, é isso que precisamos olhar', afirmou.

O diretor destacou ainda que todas as exportadoras brasileiras perderam competitividade no mercado internacional nos últimos anos em razão da política cambial. 'O Brasil tem as condições para ter nas exportações um dos principais elementos de dinamismo de seu crescimento no longo prazo.'

PROJETOS CANCELADOS

Seguindo a mesma linha de raciocínio, o diretor de Assuntos Corporativos da Vale, Tito Martins, mostrou-se também preocupado com o impacto que as deficiências nos marcos regulatórios brasileiros podem trazer aos planos de expansão da empresa. Só este ano, a Vale tem planos de investir US$ 4,6 bilhões. 'Podemos ter outros projetos cancelados no futuro por conta dessas dificuldades', explicou.

Entre eles está o interesse da mineradora em participar da licitação para o Porto de Paul, no Espírito Santo. A lentidão na obtenção de licenças ambientais vem aumentando os custos da Vale. É o caso da mina de bauxita em Paragominas, no Pará. O atraso obrigou a companhia a comprar bauxita para a produção de alumínio de terceiros, o que provocou um aumento de gastos.

PREÇOS

As negociações entre a Companhia Vale do Rio Doce e as siderúrgicas mundiais em torno do preço do minério de ferro que vai vigorar em 2007 começam no fim de novembro. Este ano, o produto teve um aumento de 19%. Barbosa, trabalha com um cenário de demanda aquecida para 2007, puxado, especialmente pela China. 'Acredito que seja possível chegar a um acordo que reflita a parceria do setor (minerador e siderúrgico)', afirmou.

A Vale confirmou a saída do diretor Nelson Silva, um dos principais responsáveis pela condução das negociações de preços na companhia. Os executivos da mineradora brasileira dizem que a saída do diretor não deve interferir nos acordos, que seguem sendo tocados pela equipe de Silva.

Durante a entrevista, Barbosa lembrou que a China aumentou as compras de minério de ferro da Vale em 40% este ano, o que representou 20 milhões de toneladas adicionais compradas pelas siderúrgicas chinesas no período. No total, a China comprou 70 milhões de toneladas de minério.

Ações fecham em alta

Os bons resultados da Vale do Rio Doce provocaram euforia entre os investidores. Enquanto o índice Bovespa, da Bolsa de Valores de São Paulo caiu 1,25% as ações da mineradora subiram. A ação preferencial da classe A avançou 1,83%. Chegou a atingir 4,48% ao longo do dia. Já as ações ordinárias subiram 2,97%.

O movimento financeiro da Bolsa foi muito forte ontem - chegou a R$ 3,78 bilhões. Só os papéis da Vale e da Petrobrás foram responsáveis por negócios no valor de R$ 1 bilhão. Especialistas afirmam que houve euforia com os papéis da Vale e, no final de pregão, faltou dinheiro para girar as operações.

'Como houve forte concentração de valores em determinados papéis, como Vale, para encerrar o dia conforme o esperado, alguns operadores têm de fazer um pouco de dinheiro perto do fechamento', afirmou um profissional.

Segundo estudo do banco americano Merrill Lynch, os resultados da Vale ficaram 13% acima da previsão da maioria dos analistas financeiros.

Esse desempenho se deve principalmente ao aumento de 6,5% nas vendas de pelotas de minério de ferro.