Título: O Consenso de Brasília Expandido
Autor: Thomas, Vinod
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2006, Espaço Aberto, p. A2

A China e a Índia, assim como o Brasil, poderão estar entre as seis maiores economias do mundo nas próximas quatro décadas, de acordo com algumas projeções. O reflexo disso sobre o bem-estar das pessoas, contudo, não dependerá apenas da evolução da renda, mas também de sua distribuição. Tanto o crescimento econômico quanto a desigualdade têm grande impacto nos três gigantes em desenvolvimento.

Na Índia, a diferença entre o crescimento das áreas rurais e urbanas contribuiu para levar o Congresso Nacional indiano e o primeiro-ministro Manmohan Singh ao poder em 2004, apesar do alto crescimento obtido no governo anterior, do partido Bharatiya Janata. No Brasil, analistas creditam a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em parte, à redução da desigualdade, em vez de ao crescimento. Na China, a crescente desigualdade regional, assim como entre as áreas rurais e urbanas, é uma questão cada vez mais importante para os formuladores de políticas.

China e Índia tiveram um crescimento três vezes maior que o Brasil nos últimos anos. E a desigualdade de renda no Brasil é 75% maior que a indiana e 33% maior que chinesa. Uma piora da desigualdade, contudo, tem grande impacto negativo nos dois países asiáticos, dada a escala da pobreza. Os Estados indianos mais pobres e populosos, como Bihar e Uttar Pradesh, cresceram muito menos que os Estados mais ricos, como Gujarat e Punjab. Na China, também as províncias mais ricas, como Zhejiang, cresceram mais rapidamente que as províncias mais pobres, como Qinghai. Em contraste, as regiões relativamente mais pobres do Brasil, como o Nordeste e o Norte, crescem mais rápido que a média nacional.

Tudo isto levanta a questão: o aumento da desigualdade é o preço a ser pago pelo alto crescimento? As evidências no Leste Asiático - por exemplo, na Coréia do Sul e em Taiwan, com alto crescimento e uma distribuição relativamente favorável - sugerem que não. Mesmo na China a desigualdade avançou mais rapidamente em períodos de baixo crescimento. Além disso, existe também uma ligação positiva entre a taxa de crescimento e a distribuição do rendimento: seria difícil para o Brasil sustentar alto crescimento sem a inclusão dos pobres no processo.

Mas uma análise do desempenho dos países mostra caminhos bem distintos. Na década passada, a China reduziu a pobreza fortemente por meio do crescimento, ao mesmo tempo que a distribuição se agravava. O Brasil diminuiu a pobreza melhorando ligeiramente a distribuição de renda, apesar do lento crescimento. Vários países no Leste Asiático, na Europa e na Ásia Central melhoraram ao mesmo tempo crescimento econômico e distribuição de renda.

É interessante como o esforço do Brasil com progresso social coincide com a maior estabilidade macroeconômica, como em outros países da região. Mas, tanto na América Latina como em outras regiões, os planos para melhorar a distribuição, muitas vezes com medidas inadequadas, historicamente pagaram um alto preço alto em instabilidade macroeconômica. Após as crises nos anos 80, a idéia convencional era de que a estabilização e a liberalização deveriam ser a primeira prioridade, deixando ações diretas de progresso social para depois. Isso foi chamado (em 1990) de Consenso de Washington. Em 2003, o plano do Brasil de buscar a estabilidade e implementar simultaneamente programas sociais foi chamado de Consenso de Brasília.

Mas é possível, na prática, buscar crescimento e igualdade ao mesmo tempo? Uma medida fundamental nos três países é melhorar a governança e combater a corrupção nos processos econômicos e políticos. Aumentar a qualidade dos investimentos em educação, saúde e assistência social é uma outra forma poderosa. O Bolsa-Família transfere renda para famílias pobres desde que as crianças freqüentem a escola e visitem os postos de saúde. Se bem implementadas - por exemplo, se o desempenho escolar realmente melhorar -, essas transferências podem aumentar os ganhos futuros das famílias, além da renda atual. Também é preciso planejar as portas de saída das pessoas desses programas.

Para melhorar muito mais os resultados no Brasil, no entanto, a aplicação do Consenso de Brasília precisa de uma extensão crucial. Será necessário um maior impulso sobre o crescimento, por meio de um melhor clima para investimentos de qualidade e produtividade. Fundamentalmente, isto requer o apoio de reformas nas áreas previdenciária, de tributos e gastos públicos, de infra-estrutura, no clima de negócios e no mercado de trabalho. Na China e na Índia, por outro lado, a urgência para enfrentar as desigualdades deve ser clara.

Finalmente, essas três economias necessitam de um cuidado muito maior com o meio ambiente. Estima-se que o custo econômico da devastação ambiental na China e na Índia esteja entre 4% e 9% do PIB anual. O Brasil também enfrenta tais custos, porém com uma consideração adicional: se as altas taxas de desmatamento em Mato Grosso e em outros Estados forem evitadas e, conseqüentemente, se a floresta for protegida, esse desmatamento evitado poderá eventualmente ser convertido em créditos de carbono, com enorme valor de mercado para o País.

Então, as projeções de crescimento da China, da Índia e, possivelmente, do Brasil são realistas? Elas podem bem ser. A China e a Índia estão a caminho, com alto crescimento. Enquanto o Brasil precisa de ações vigorosas, mas possíveis, para retomar o crescimento com qualidade. Nos três países, um Consenso de Brasília Expandido - combinando crescimento e igualdade com desempenho ambiental - parece ser o caminho adiante.