Título: Líderes não conseguem frear conflito
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2006, Internacional, p. A15

Os dois principais líderes da Autoridade Palestina (AP) fizeram ontem apelos para acabar com o que já se tornou a maior onda de violência entre palestinos da última década. ¿Nosso povo deve estar unido contra a ocupação (de Israel)¿, disse o premiê, Ismail Haniye, do grupo islâmico Hamas. O presidente Mahmud Abbas, do laico Fatah, pediu calma e anunciou um novo cessar-fogo. Mas, como a trégua acertada domingo durou menos de 24 horas, não havia certeza de que o novo compromisso seria cumprido. Ao longo do dia, 6 pessoas morreram e 18 ficaram feridas em conflitos entre o Hamas e o Fatah, elevando o saldo de mortos para 15 desde o início das tensões, na semana passada. Com isso, a recente escalada de violência na Cisjordânia e na Faixa de Gaza ultrapassou os embates ocorridos em outubro, quando 12 foram mortos.

Na cidade de Gaza, o clima era de guerra civil. Homens mascarados montaram postos de revista nas ruas e um escritório do Fatah foi atacado com granadas e morteiros. ¿É uma guerra de verdade¿, disse o lojista Suleiman Tuman, de 53 anos. ¿Antes os dois lados lutavam contra Israel - agora brigam entre si e nós estamos no meio.¿

Entre os mortos está um menino de 10 anos, além de quatro militantes do Fatah e um do Hamas. Outras cinco crianças ficaram feridas num tiroteio quando estavam a caminho da escola.

Os conflitos começaram semana passada, depois do assassinato dos filhos de um chefe do serviço de inteligência do Fatah. Eles se intensificaram no sábado, quando Abbas anunciou a convocação de eleições antecipadas - o que implicará na dissolução do gabinete de Haniye.

O Hamas diz que a decisão foi um ¿golpe¿ contra seu governo, que tomou posse há 9 meses, após uma vitória sobre o Fatah nas eleições parlamentares. Abbas argumenta que essa era sua única alternativa, já que as negociações para formar um governo de coalizão, no qual o Fatah estaria incluído, chegaram a um impasse no mês passado.

Autoridades das forças de segurança do Hamas e do Fatah se reuniram na noite de ontem e anunciaram um acordo para retirar seus homens das ruas. Pouco depois, forças rivais começaram a abandonar partes da cidade de Gaza. O rei Abdala, da Jordânia, se ofereceu para mediar negociações entre palestinos.

ACUSAÇÃO AOS EUA

Apesar de defender que as diferenças entre palestinos devem ser ¿resolvidas com diálogo¿, Haniye usou boa parte dos 90 minutos do discurso que fez ontem na TV para criticar Abbas e acusar os EUA de estarem por trás das novas eleições. ¿Há uma decisão não declarada de derrubar o nosso governo - e os americanos estão por trás dela¿, disse o premiê.

A Casa Branca apóia Abbas, por considerá-lo moderado e porque o Fatah admite negociações com Israel. O Hamas é classificado como um grupo terrorista pelos americanos e em sua carta de fundação prega a destruição do Estado israelense. A secretária de Estado dos EUA, Condoleezza Rice, em outubro prometeu recursos para treinar e equipar a guarda presidencial de Abbas. O objetivo seria fortalecê-lo na queda-de-braço com Haniye. Os EUA e a União Européia também criaram em junho um mecanismo para repassar dinheiro ao presidente e ajudar as famílias palestinas contornando o Hamas. Em vez de ser entregue ao governo da AP, o dinheiro é depositado num fundo que só Abbas pode acessar.

TENSÃO ENTRE PALESTINOS

Janeiro - O grupo islâmico Hamas vence o moderado Fatah nas eleições parlamentares.

Março - Ismail Haniye, do Hamas, assume o cargo de premiê. EUA e Europa, que consideram seu grupo terrorista, impõem sanções econômicas à Autoridade Palestina.

Setembro - Com dificuldades econômicas, Haniye aceita negociar um governo de coalizão que inclua o Fatah.

Outubro - As tensões entre o Hamas e o Fatah começam a aumentar. Uma onda de violência entre as facções deixa 12 mortos e mais de 100 feridos.

Novembro - Negociações sobre o governo de coalizão chegam a um impasse.

Dezembro - O presidente Mahmud Abbas, do Fatah, anuncia a convocação de eleições antecipadas, o que implicará na dissolução do gabinete de Haniye. Há uma nova onda de violência.