Título: Condenados à morte médico e enfermeiras estrangeiros na Líbia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2006, Internacional, p. A23

Um tribunal líbio sentenciou ontem cinco enfermeiras búlgaras e um médico palestino à morte sob a acusação de infectar deliberadamente 426 crianças com o vírus da aids em 1998. A corte não levou em conta evidências científicas independentes de que a infecção começou antes que os acusados começassem a trabalhar no hospital e a falta de higiene no local foi a principal causa. Segundo os advogados de defesa, um recurso será apresentado em 60 dias. O grupo já havia sido condenado à morte - por fuzilamento - em 2004, mas, após protestos contra a parcialidade do julgamento, a Suprema Corte anulou o veredicto e ordenou novo processo.

As sentenças de ontem provocaram críticas internacionais duríssimas. A secretária americana de Estado, Condoleezza Rice, manifestou seu desapontamento durante um encontro com o chanceler búlgaro, Ivailo Kalfin. ¿Quantas crianças ainda vão morrer em hospitais líbios enquanto o governo ignora a raiz do problema?¿, afirmaram em declaração conjunta.

¿A União Européia não pode aceitar esse veredicto¿, disse o porta-voz do bloco, acrescentando que os países membros estão estudando o rumo de ação em favor da Bulgária.

Mas o chanceler líbio, Abdurrahman Shalgham, disse que a Líbia não cederá a pressões: ¿Ninguém pode interferir em nossa justiça, nem nosso líder, coronel (Muamar) Kadafi.¿

Apesar da declaração de Shalgham, nos bastidores estão sendo mantidas conversações entre UE, Bulgária, EUA e Líbia para achar uma solução diplomática. Sob a lei islâmica, as famílias das vítimas podem revogar sentenças de morte em troca de compensação. Trípoli pediu US$ 13,1 milhões para a família de cada uma das 426 crianças infectadas, das quais 52 já morreram. A Bulgária rejeitou a proposta, alegando que isso seria uma admissão de culpa, mas ofereceu a criação de um fundo para que elas sejam tratadas em hospitais europeus.

As enfermeiras e o médico, presos desde 1999, declararam-se inocentes ontem, dizendo que as confissões de culpa que haviam feito antes foram obtidas sob tortura. Eles afirmaram que foram transformados em bodes expiatórios para a falta de higiene do hospital.

Durante o novo julgamento, de maio a novembro, o tribunal rejeitou ouvir as evidências de especialistas internacionais - entre elas a de Luc Montagnier, o médico francês que descobriu o HIV - de que as crianças foram infectadas bem antes de os médicos chegarem à cidade de Benghazi em 1998. A corte só considerou as opiniões de cinco médicos líbios, cujo relatório de 2003 diz que o HIV e a higiene hospitalar não são problemas na Líbia e o surto foi tão amplo que havia a probabilidade de infecção deliberada.