Título: Professor acolhedor, mas exigente, explica bom desempenho de alunos
Autor: Moisés, David
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/12/2006, Vida&, p. A24

A professora Mabel Victorino, de 30 anos, nem sabia explicar direito o que aconteceu. No início de 2005 ela assumiu a turma mais difícil da escola mais pobre da pequena Itatinga (SP), na região de Bauru, e não tinha grandes expectativas quanto àqueles 29 alunos da 4ª série. ¿A maioria era repetente, indisciplinada e triste¿, lembra.

No final de 2005 ela soube que sua turma havia impressionado o Ministério da Educação (MEC), pela pontuação surpreendente obtida na Prova Brasil, que mediu conhecimentos de 3.306.378 alunos brasileiros de 4ª e 8ª séries em português e matemática.

A professora, em seu segundo ano na chamada ¿escola da Vila Prete¿, já havia percebido que a turma melhorava desde o primeiro bimestre, mas a explicação para o ¿milagre¿ só veio agora.

Uma pesquisa coordenada pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a pedido do MEC, apontou os fatores de sucesso ali e em outras 32 escolas com perfil socioeconômico semelhante, em 14 Estados e no Distrito Federal.

O levantamento concluiu que o principal fator é ter professores que ouvem o que seus alunos querem dizer, acolhem e, ao mesmo tempo, são exigentes, impõem limites e cobram responsabilidades.

Foram os próprios alunos e seus pais que disseram isso em 32 das 33 escolas pesquisadas. Eles também disseram, em 25 escolas, que o compromisso dos alunos com o aprendizado foi outro fator de sucesso, o que reforça a importância do envolvimento com o professor. Em 21 escolas, destacou-se também o fato de haver avaliação permanente e projetos especiais interdisciplinares. ¿A gente tem de usar todas as formas possíveis para fazer o aluno aprender, se não dá de um jeito, aprende de outro¿, resume Mabel. ¿É a nossa dedicação que resolve.¿

As duas 4ªs séries da Vila Prete não puseram a Escola Municipal de Ensino Fundamental Marygnez Maurício - o nome oficial do estabelecimento - no topo das mais pontuadas na Prova Brasil, mas o desempenho ficou bem acima da média nacional, de 172,9 pontos em português e 180 pontos em matemática. As crianças de Itatinga fizeram 221,37 e 249,5 pontos, respectivamente. Foi isso que chamou a atenção do MEC.

Boa parte dos 13,9 mil habitantes da cidade trabalha em sítios e fazendas, onde há principalmente plantações de laranja e eucalipto. Mais de 80% dos 280 alunos da escola moram na zona rural e levam até duas horas para chegar à sala de aula. A escola é o lugar onde as crianças podem falar dos problemas que têm em casa, como alcoolismo e brigas dos pais. ¿Para muitas, aqui é o único lugar onde alguém as escuta¿, diz Mabel.

Mas a professora garante que não fica só na conversa. Além de aproveitar os assuntos de interesse dos alunos - bichos, por exemplo - para inserir conteúdos das disciplinas, tem a hora em que o papo pára. ¿Eu digo: agora tenho de passar umas coisas.¿

SALÁRIO E RECICLAGEM

Apesar de personificar o principal fator de sucesso apontado na pesquisa, Mabel não encarna a professora missionária e abnegada. Com seu salário de iniciante, na faixa de R$ 1,2 mil, ela busca qualificação para crescer na carreira. Fez o Magistério no Ensino Médio, acaba de se graduar no Normal Superior por meio de um curso a distância e já está se matriculando num curso complementar, de Gestão Escolar.

Casada, com um filho de 11 anos e uma filha de 6, Mabel acha que a dedicação do professor tem de ser sustentada com remuneração adequada e formação continuada.

Os entrevistados nas outras escolas concordam com essas premissas. Os pesquisadores constataram que a maioria dos professores nesses estabelecimentos tem curso superior completo e vem se capacitando mais, principalmente na área de gestão. Talvez isso explique o fato de a maioria das 33 escolas pesquisadas administrarem seus recursos de forma participativa - o quarto fator de sucesso - e, em alguns casos, articulando proveitosas parcerias com empresas e instituições.

O quinto fator de sucesso, segundo a pesquisa, é a relação das escolas com o seu entorno. Tiveram grande benefício aquelas que acolheram a comunidade, abrindo suas instalações para jogos, casamentos e até velórios. Na escola da Vila Prete, a diretora Denize Bemfica, de 45 anos, permite que os vizinhos usem o pátio e a quadra em dias e horários sem aulas, e há um morador do bairro responsável pela chave do portão da escola. Mas as regras são claras: é preciso usar e cuidar, assumindo as responsabilidades, e sem abusar.

VIOLÊNCIA SUPERADA

Já houve tempo em que a Vila Prete era barra pesada e a escola era depredada regularmente. Há cerca de cinco anos, a então diretora, Maria Sueli Dadario - hoje secretária municipal de Educação -, convidou os pequenos traficantes da área, que viviam rondando a escola, a entrar e conhecer tudo. Ela estabeleceu um diálogo com eles, e aí começou uma nova relação com toda a comunidade. Hoje, não há sequer pichações.

O MEC resolveu pesquisar essas escolas e identificar os fatores de sucesso para formular propostas que sirvam para outras escolas em comunidades carentes.

A diretora Denize acha que é fácil multiplicar a experiência da boa gestão e da relação com a comunidade, mas reconhece que não é fácil capacitar um professor a ouvir seus alunos e se empenhar por seu aprendizado. Mas esse é o caminho, segundo ela.

Como incentivo, vale lembrar que a turma problemática da professora Mabel passou de ano em 2005 e, com professora nova, foi muito bem na 5ª série.

ESTADOS AVALIADOS Amazonas: quatro escolas Bahia: duas escolas Ceará: duas escolas Distrito Federal: uma escola Goiás: uma escola Maranhão: uma escola Mato Grosso do Sul: duas escolas Minas Gerais: quatro escolas Pará: uma escola Paraná: três escolas Piauí: uma escola Estado do Rio: seis escolas Rio Grande do Sul: uma escola São Paulo: três escolas Tocantins: uma escola