Título: Militares planejaram tomar o poder em 2001
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2006, Internacional, p. A13
Saques ao comércio na Grande Buenos Aires, correntistas tentando invadir bancos para reaver depósitos confiscados, colunas de fumaça provenientes das fogueiras com as quais piqueteiros bloqueavam avenidas, enquanto uma multidão cercava o Congresso Nacional aos gritos de ¿que se vayan todos!¿ (que todos vão embora). Esse era o cenário na capital argentina há exatos cinco anos.
O país, após seis meses de uma colossal fuga de divisas, havia sido abalado pelo ¿corralito¿, o confisco bancário decretado pelo então presidente Fernando de la Rúa. O resultado foi a paralisação da economia e a disparada do desemprego e da pobreza. As províncias, arruinadas, emitiam suas moedas, e alguns políticos flertavam com a independência em relação ao poder central. Em 12 dias o país teve cinco presidentes. Apesar do caos social e político, pela primeira vez em tal situação as Forças Armadas argentinas não se envolveram na crise para tomar o poder.
Mas uma investigação feita pelo jornal Perfil, publicada ontem, indica que os militares haviam preparado um plano para assumir o governo, acalmar os ânimos, restabelecer a ordem social e convocar eleições. Segundo as fontes do jornal, os militares avaliaram que era a ocasião de limpar sua imagem, maculada com uma seqüência de desastrosas ditaduras, entre 1955 e 1983.
A idéia de voltar ao poder circulou intensa - mas discretamente - entre os chefes militares após a fuga precipitada de De la Rúa da Casa Rosada em um helicóptero. As autoridades máximas elaboraram um plano de contingência para ¿cobrir o vácuo de poder¿ e a ¿necessidade de guiar uma transição¿ política. ¿As Forças Armadas queriam agir como avalistas de última instância da ordem e da unidade nacional¿, diz o ex-ministro da Defesa José Pampuro. ¿Mas nunca foi planejado como um golpe de Estado clássico, com tanques nas ruas.¿
Em 20 de dezembro de 2001, diante do fracasso do estado de sítio declarado por De la Rúa horas antes de sua queda, os militares se reuniram na sede do Estado-Maior do Exército e definiram um plano que previa a mobilização de 9 mil soldados para proteger as duas usinas nucleares em funcionamento, as hidrelétricas, a Casa Rosada, o Congresso e outros edifícios públicos necessários à administração. Os militares também haviam previsto um lugar à prova de protestos populares para a realização de uma sessão conjunta da Câmara de Deputados e do Senado para a escolha de um presidente provisório.
Chefes militares se reuniram com o presidente antes de sua fuga e pediram que, se tivessem de sair com as tropas às ruas, a medida precisaria contar com o pedido explícito das autoridades civis. Na seqüência, De la Rúa decretou o estado de sítio, mas sem especificar as funções das Forças Armadas nessa situação de anormalidade. Diante da indefinição jurídica, os militares preferiram ficar de fora da crise.
Nas horas seguintes, os presidentes se sucederam com celeridade. Na confusão, o contato entre os poderes civil e militar foi nulo. Em 2 de janeiro, Eduardo Duhalde assumiu como presidente provisório.
O general Julio Hang, ex-chefe da Casa Militar no governo De la Rúa, afirmou que a idéia entre as altas autoridades militares era de que ¿a crise era nossa oportunidade, nossa prova de compromisso com a democracia, não podíamos cometer erros de novo¿. Segundo o analista Rosendo Fraga, ¿os militares mostraram na ocasião que havia ocorrido uma profunda mudança em relação ao papel político que as Forças Armadas tiveram no passado¿.