Título: Novas teorias dividem cientistas
Autor: Girardi, Giovana
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/12/2006, Vida&, p. A15

A data do início do povoamento humano nas Américas é questão que há tempos intriga arqueólogos e antropólogos. As teorias de migração vão de 12 mil anos a até 100 mil anos atrás. Tamanha disparidade já provocou bate-boca e insultos entre cientistas e mostra que um consenso está longe. Mesmo assim, é esse o intuito de um grupo de mais de 30 pesquisadores reunidos desde sábado discutindo as últimas descobertas da área.

A teoria mais ousada, e também mais controversa, é proposta pela anfitriã do simpósio O Povoamento das Américas, que acontece na Fundação Museu do Homem Americano, em São Raimundo Nonato (PI). A arqueóloga Niéde Guidon, diretora da fundação e do Parque Nacional Serra da Capivara, região com uma das maiores concentrações de sítios arqueológicos do Brasil, já tumultuou a comunidade científica alegando ter encontrado indícios de que o local era ocupado há mais de 50 mil anos. Hoje, em sua apresentação, ela vai propor que os seres humanos já estavam ali há 100 mil anos.

Niéde não tem nenhuma ossada ou fóssil bem preservado ou qualquer evidência direta disso. Ela se baseia em novas datações de vestígios de fogueiras supostamente feitas por seres humanos encontrados embaixo da Pedra Furada, um dos símbolos do parque. Usando técnicas de Carbono-14 e termoluminescência, sua equipe sugere que as fogueiras tenham entre 60 mil e 100 mil anos de idade. Também foram encontradas nas camadas mais profundas do solo, ao lado das fogueiras, trabalhos complexos em pedras lascadas, dando força à hipótese de presença humana.

Além de a data ir muito além das teorias mais aceitas, ela ainda pressupõe que essas pessoas teriam de ter encontrado outro modo de chegar aqui. Há praticamente um consenso entre os estudiosos de que em algum momento, ao final da última era do gelo (que durou de 1,6 milhão de anos a 10 mil anos atrás), o nível dos mares estava tão baixo por causa da glaciação que fez emergir uma faixa de terra ligando a Sibéria ao Alasca, por onde teriam atravessado os pioneiros. Mas há 100 mil anos essa faixa não deveria existir, então, se os humanos chegaram às Américas, teria de ser por outros meios. Niéde acredita que foi pelo mar, da África ou da Austrália, para cá. Segundo ela, isso explicaria por que na América do Sul e Central (até o México) há mais evidências antigas de presença do homem do que na América do Norte.

A teoria é bastante questionada, mas o debate no Piauí pode pender para o lado de Niéde. É que o número de participantes é modesto e a maioria ali concorda com ela, apesar de essa turma ser minoria entre os estudiosos da área.

Ao menos dois pesquisadores vão contra-atacar. o antropólogo da Universidade de São Paulo (USP) Walter Neves, que trabalha com ossadas em Lagoa Santa (MG), onde foi encontrada Luzia, a ¿primeira brasileira¿, vai insistir, a partir da análise de 105 crânios da mesma região, em migração há 14 mil anos pelo estreito de Bering . Já o geneticista Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), concorda com a procedência, mas fala em mais de 18 mil anos.